Esta é a história resumida contada por meu pai quando viajou para Luanda e para a Barragem de Cambambe no Alto Dondo
Lisboa 11 de Setembro de 1956 do cais de Alcântara parte o navio Moçambique rumo a Angola com carga e passageiros numa viagem prevista de 11 dias, com paragem na Madeira. Como passageiros uma centena de pessoas com rumos diferentes no interior de Angola, e moçambique, mulheres casadas por procuração iam ao encontro de um homem sem o ter conhecido antes, a não ser por fotografia, outras casadas por procuração, essas tinham namorado no Continente e só agora poderiam finalmente juntar à pessoa com quem tinham casado visto ele não se poder ou não querer deslocar ao Continente. Mulheres casadas com ou sem filhos que finalmente se iam juntar aos seus maridos que tinham partido muito antes na tentativa de conseguir uma vida melhor do a que tinham no Continente. Homens que partiam também à procura de melhor vida alguns numa completa aventura outros já com carta de chamada de amigos ou familiares que já lá se encontravam e lhe arranjavam a tal carta de chamada que implicava uma grande responsabilidade para quem a arranjava que o tornava responsável por essa pessoa, a maior parte era gente humilde do interior do Território que nunca tinham visto um navio ou mesmo o mar.
De entre todos esses passageiros meu pai ia para a Barragem de Cambambe. A bordo era tudo muito estranho e diferente de tudo a que estava habituado, a começar nas refeições e acabar nos porões onde dormia um salão enorme cheio de beliches uns em cima dos outros, atravancados de cestos, garrafões de vinho, de azeite, chouriços, salpicões, presuntos, fruta e outras coisa que as pessoas queriam levar consigo que impregnava o ambiente insuportável de cheiros e odores, a par dos cheiros das suas roupas e corpos por lavar, misturado com cheiro de urina de putos que nunca tinham utilizado uma casa de banho na vida deles, e por isso urinavam para o primeiro canto que encontrassem. Na primeira refeição a bordo foi um autentico desastre com as pessoas a tentar comer o que vinha para a mesa, misturando tudo numa gula desenfreada, resultado, aliado ao balanço do navio passado um bocado era o pessoal todo a vomitar por todos os cantos do barco, dia e meio depois de ter partido de Lisboa chegou à Madeira, o navio ficou ao largo, e alguns passageiros foram a terra a bordo de uma lancha, os outros ficaram abordo, pequenas embarcações acercaram-se do navio com lembranças da Madeira, trabalho artesanal que vendiam, os passageiros atiravam o dinheiro para as embarcações e através de uma corda as lembranças eram então içadas para bordo, outros pequenos miúdos, pediam que lhe atirassem moedas para a água, que eles logo mergulhavam e iam em busca delas a caminho do fundo do mar em grandes mergulhos para delírio de todos debruçados na murada do navio, assim se passaram as horas de paragem na Madeira.
O resto da viagem à excepção da passagem do Equador, no qual fizeram um exercício de por colete de salvação e ir para a uma baleeira de salvação como se o navio estivesse a ir ao fundo com banho de água à mistura o que resultou numa grande confusão pois muitos pensaram que era a sério, tudo acabou em bem, o resto dos dias foram sempre iguais até à chegada a Luanda em 1 de Outubro de 1956, numa manhã muito cedo, a sua ansiedade era muito grande, para saber como iria ser a tal falada África dos pretos como se dizia em Portugal.
Muito lentamente o navio lá se ia aproximando do cais as pessoas iam-se tornando cada vez mais visíveis. Tudo com muita lentidão à mistura com empurrões todos a quererem ser os primeiros, finalmente chegou a hora de sair e pela primeira vez pisou solo africano, sentiu uma sensação muito estranha de sons, cheiros e vozes e à mistura uma embriaguez em que se sentiu tonto e sem reacção.
Os Europeus num tom de pele muito tisnado, mesmo amarelo torrado num contraste de vestimentas brancas e muito suados, em contra partida os negros calmos pachorrentos transpirando muito e com os olhos muito abertos olhando as cenas de chegada dos abraços, dos beijos, eram os bagageiros que transportavam as malas para os carros que os levariam, enfim para os locais que cada um iria habitar.
Postas as malas na carripana que o foi buscar, e com os olhos muito abertos olhando numa ânsia desmedida de querer mirar tudo numa só vez, marginal fora que encanto de Avenida ladeada do lado direito por Palmeiras junto ao mar formando então a tal famosa Baía de Luanda, um dos muitos locais que muito o marcaria para o resto da sua vida. Deixou para trás a avenida e seguiram directos para Cambambe.
Algumas picadas eram somente os sulcos que os carros deixavam ao passar, um pequeno desvio e lá ficava um enterrado isto sem contar com os grandes buracos que quando chovia formavam grandes lagos que eram a alegria de muitos negros miúdos que chafurdavam nesses lagos de uma cor avermelhada com tons de castanho, e que serviam como Piscinas. Água canalizada era um luxo para alguns, essas lagoas serviam também para nascer e criar milhões de mosquitos que eram uma das maiores pragas que cedo teve de começar a enfrentar, começando logo por tomar comprimidos contra o paludismo, camoquine todos os dias e resoquine todas as semanas, águas fervidas e passadas pelo filtro um bonito aparelho de louça com uma vela também em louça por onde a água teria de passar e ser então filtrada saindo através de uma torneira metálica era uma água fresca e saborosa, depois de muitas peripécias lá chegou ao seu destino.
Chegado à casa que viría a habitar até 1959, a sua excitação era enorme, descarregadas as malas começou logo por atacar bananas num cacho dependurado á porta de casa, um grande cacho de grandes e maduras bananas, percorridas as duas divisões da casa e um grande anexo que ficava na parte de trás da casa. De referir que a casa era feita de aduelas dos Barris de vinho e forrada a papel. Foi apresentado ao casal que tinha providenciado a habitação o Sr. Raminhos e a Dona Aninhas. O casal tinha dois filhos, que teriam 3 e 4 anos de idade, foi então apresentado ao casal. Viveu ai sozinho pela primeira vez depois de casado por 3 meses, pois sua esposa só haveria de chegar em Janeiro de 1957.
1956
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