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21/10/2014

OS CALOIROS


No ano de 1967, nas férias escolares estava eufórico com os exames de admissão ás Escolas Técnicas e aos Liceus.

Antecipadamente já sabia que iria para uma escola Técnica caso fosse aprovado nos exames, meu pai desejava que os filhos homens seguissem profissões técnicas e que a filha mulher seguisse uma profissão administrativa.

Isto tocou a uma grande parte de todos nós, estudantes do ensino primário. Nesse ano as férias grandes foram ligeiramente mais curtas. Tive que fazer três exames: o da 4ª classe e os de admissão, às Escolas Técnicas e aos Liceus.

Como estudava na Escola Primária nº.176 no Bairro Popular nº. 2, foi na Emídio Navarro (antiga João Crisóstomo), ali na Vila Alice perto da Fábrica Imperial de Borrachas ( Macambira ), que tive que fazer os exames de admissão ás escolas técnicas. Tudo correu bem, tive que ir à oral – penso que era obrigatório.

Nas orais, lembro-me que na prova de Português foi sempre o mesmo texto nos três exames “A camaradagem” do livro de leitura da 4ª classe, foi no exame da Escola Primária nº. 176, na Escola Preparatória Emídio Navarro e no Liceu Nacional de Salvador Correia.

Outra coisa que me ficou presente na memória. O professor que me fez o exame no Liceu Salvador Correia era bem conhecido de muitos alunos, para me meterem medo me disseram logo “ Estás tramado esse professor é do piorio”.

Mas aí estava eu aprovado e com três opções a meu bel-prazer. Escolhi a Escola Preparatória João Crisóstomo, naquele tempo as aulas começavam só a 1 de Outubro.

Mas, no Bairro Popular nº 2 onde eu residia, os amigos e alguns colegas mais velhos do que eu, iam-me informando o que poderia acontecer-me.

Sabes, lá na João Crisóstomo ninguém se chama pelo nome! Todos têm um número atribuído, dizia um! Logo outro “Eh pá, vais apanhar uma carecada do caraças! Faz mas é tudo o que dizem pra fazeres, senão… tás lixado, ainda te fazem umas picadas pela cabeça toda!”.

Com estes avisos todos, inicio do ano lectivo, no dia 1 de Outubro fui no Maximbombo 22 com vários amigos do bairro que também iam para a João Crisóstomo, descemos nos Maristas, depois seguimos o descampado ( uma picada de terra batida ) ai existente até chegarmos á novíssima João Crisóstomo (foi inaugurada nesse ano de 1967). 

Logo ali vi o grande movimento à entrada da Escola, com uma maior concentração à entrada e no espaço interior. Entrei no grande portão e o filme que me tinha sido contado pelos mais velhos tornava-se agora mais real, podendo ouvir-se um movimento de “algazarra” no amontoado de estudantes, quase todos rapazes, do lado exterior. “Ó miúdo és do 1º ano?!..” Era a caça ao caloiro.

E lá me mandaram colocar a jeito, baixando a cabeça, enquanto um bramia a tesoura de contentamento, dando-lhe aqueles movimentos entusiasmados que produziam o som metálico de abrir e fechar repentina e constantemente a tesoura, outro ensaiava a técnica da circunferência perfeita, colocando um escudo angolar na coroa da minha cabeça, desenhando uma circunferência com a esferográfica no couro cabeludo... bem ao meio

Depois era só cortar o cabelo que constituía o círculo até fazer uma careca, tão ou mais perfeita que a de um seminarista, ou padre capuchinho.
Hagh! O executante, após a feitura da coroa, pegava na sua Bic e rubricava a obra de arte, apondo um carimbo à moda de um punho assente de cima pra baixo na mesma.

Caloiro… Baixa a Careca!! E lá baixava eu a tola! E eles, que andavam em grupo, lá malhavam com os dedos todos unidos neste novo caloiro.
A obediência e a simpatia que cada caloiro demonstrasse era meio caminho andado para que tudo corresse normalmente, porque quem espigasse estava tramado. Apanhava forte e feio, com a palma da mão, com pequenos sacos com sal grosso, ou com as colheres de pau, algumas lindamente decoradas a cores, para que o caloiro medisse e refletisse, antes que se armasse em corajoso protestante!

Mas o melhor mesmo, por segurança, era arranjarmos um padrinho, um mais velho de preferência conhecido, daqueles considerados, ou com algum status, e não importava o tipo de status entre os mais velhos, tinha era que ter peso. Foi o que me aconteceu quando entrei na Escola Industrial de Luanda, conhecia alguns avilos mais velhos como o Tomané (António Manuel dos Santos Diniz) que era dado aos Karts e com mais amigos do Bairro.

Hê malta!!.. Este é meu conhecido, meu afilhado!” Aí ficava tudo bem melhor e as palmadas na careca era não mais que um cumprimento.
Alunos do meu tempo… O Piteira, Amílcar, Alberto Rodrigues, Carvalho, Gomes, Camilo, Ernesto, Nelson, Francisco Pereira, Walter Sério e outros,,,,

ZÉ ANTUNES

1975



 

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