O Bruno foi conscientemente planeado, tendo em conta a vontade que nós tínhamos de ter um filho, até apetece dizer que a gravidez da Marinha foi, no fundo, uma ação inconsciente que acabou por nos levar a obter o que desejávamos.
No entanto, a partir do momento que soubemos que a Marinha estava mesmo grávida, o Bruno passou a ser o Desejado, e foi Bruno logo desde o início, se não fosse Bruno, teria sido Rita, mas nós tínhamos a certeza de que seria um rapaz.
Os meses que decorreram até ao nascimento do Bruno foram caracterizados por uma angústia latente. No princípio, quando ainda não tínhamos a certeza se havia ou não gravidez, não soubemos ou não quisemos interpretar os sinais. A Marinha queixava-se de dores lombares, toca a fazer uma radiografia da coluna; a Marinha dizia que tinha dores de estômago, azia e náuseas (tudo fruto da gravidez) toca a fazer uma radiografia do estômago e duodeno. O raio X terá afetado o desenvolvimento do bebé? Esta era a pergunta que nós não fazíamos em voz alta, mas que estava sempre presente.
Tudo sucedeu tão depressa que a adaptação é difícil. Sempre habituado a ser filho, de repente vou ser promovido a pai. Não sei se me percebem. Não é parecido com nada que tenhamos feito antes. É uma pessoa, um ser humano, que fala, que come, que corre, que pensa. É um conjunto de células vivas, de tecidos, de órgãos, devidamente estruturados, organizados em forma de ser humano. E és tu que o transportas. És tu que o trazes acondicionado, isolado das águas sujas e do ar negro do mundo, escondido dos monstros uivantes e dos bichos tentaculares. Não podia encontrar melhor refúgio, o pimpolho…
E depois vem a parte pior, a parte em que o futuro pai, com a mania que é detentor da verdade, pensa já na maneira de moldar o filho à sua imagem e semelhança:
E já pensamos nas respostas às suas perguntas curiosas, e nos divertimentos essencialmente culturais que lhe vamos proporcionar: vamos dar-lhe a conhecer os grandes compositores, os grandes pintores, os grandes escritores, os grandes arquitetos, enfim dar-lhe cultura geral. Vamos tentar afastá-lo da televisão e de tudo que aliena as crianças, Mas tudo isso sem ser à força, com palavras corretas e gestos amigos.
Desculpa lá, Bruno, mas o teu pai era um tonto, um pateta que pensava que o intelecto salvava o mundo, um chato que começava a renegar o prazer que lhe dava o rock and roll e se enfronhava, cada vez mais, no trabalho. Estou destacado em Mirandela e a angústia apodera-se de mim, residimos em Guimarães e eu só venho a casa de 8 em 8 dias.
O tempo acabou. O bébé está pronto a brotar do ventre da Marinha. Como vai ser? Sinto que vou passar um enorme cansaço psicológico, e do outro lado, tudo estará resolvido. Como será ele? Gordo? Magro? Bonito? Feio? Sou um cobarde! No fundo, tenho medo que não seja uma criança, mas um monstrozinho, vitima da nossa ignorância! Como será? Quando será? O abismo das possibilidades! Nessa semana não me apetecia ir trabalhar, mas que angústia!
No dia 14 de Abril de 1980, A Marinha foi trabalhar, mas as 10 horas teve que ir para o Hospital de Guimarães.
E lá estava a Marinha, a valentona, que só chamou a enfermeira quando sentiu que o bébé ia nascer, que não gritou. E lá estava o Bruno todo pimpão, com a cara de quem já tinha nascido há dias, dormindo calmamente. Ah! Monstros e fantasmas e sei lá o quê todo o resto de cretinices que me encheram a cabeça durante estes dias! Venho de Mirandela para Guimarães de táxi, era o transporte que tinha mais próximo e rápido.
É mesmo um bébé, pronto!
Todos o acharam bonito, mas mesmo que não fosse, era o Bruno!
Quando cheguei ao Hospital de Guimarães era pai há seis horas e meia! Vivó o Bruno! Vivó!!!
Para festejar o nascimento do Bruno fui, nessa noite de 15 de Abril de 1980, para o Restaurante Alameda o dono era o Matias que tinha o Bar São João do Bairro Popular em Luanda, mais os meus amigos, comemorar com umas gambas e muita cerveja. Este escrito é especial, já que foi escrito para narrar o dia que o Bruno nasceu.
Tive 11 dias de férias para poder estar com o Bruno e de seguida tirei as férias correspondentes a que tinha direito, ou seja estive logo um mês em companhia do Bruno.
Os primeiros dias do Bruno no nosso quarto-casa foram dias de encantamento. Tínhamos um brinquedo novo, totalmente feito por nós e eu começava a adivinhar que esse pequeno ser iria, a pouco e pouco, transformar-me completamente. O que se passou foi que, em vez de sermos nós a moldar o Bruno, foi o Bruno que, só por existir, nos foi moldando ao longo dos anos.
Claro que isto não foi bem assim. A vida nunca é bem assim. Há milhares de outros pequenos-grandes fatores que nos influenciam, que nos levam a tomar este ou aquele rumo e quem acredita, como nós acreditávamos, que é senhor do seu destino, está completamente enganado. Sublinho que também não acredito que o destino esteja traçado algures. Sou crente. O destino vai-se traçando, à medida que se vive, com impulsos dados por nós próprios e com impulsos dados pelo acaso.
Foram esses primeiros dias de vida do Bruno. Aquelas insónias, afinal, não eram propositadas, claro. Se fosse feita a nossa vontade, dormiríamos calmamente a noite inteira. Mas o Bruno não deixava.
O Bruno reveste-se já de artimanhas com as quais nos faz desesperar nas longas noites em que queremos dormir e o sacaninha se agarra à sua única mas que mortífera arma de chatear o próximo: os berros e o choro! Nós, que nos gabávamos antecipadamente que o nosso filho daria umas belas noites, se chorasse, nós deixávamo-lo até se convencer que não tinha outro remédio se não calar-se, não aguentamos mais do que cinco minutos de choro pegado. Corremos a embalar o menino ou a levantá-lo da cama, passeamo-lo pelo quarto, assobiando, batendo-lhe ritmicamente no rabo. O danadinho do puto cala-se. Vai fechando os olhos aos poucos e nós, contentes por irmos dormir, deitávamo-lo devagar, em câmara lenta. Assim que se sente na cama, aí está o Bruno a berrar. E assim passamos um bom bocado da noite, até o conseguirmos enganar de vez. Mas, mesmo a dormir, o raio do miúdo ainda entreabre os olhos e sorri. Como que a dizer-nos que vai dormir porque quer e não porque o tenhamos enganado.
E claro que, com o Bruno, acabaram, durante uns tempos, as idas ao cinema, pelo que, de vez em quando, deitava um olhinho à televisão. E não gostava de muitos programas que via. O Telejornal era o programa que mais gostava de ver pois interessava-me por tudo sobre o pais. Em Dezembro desse ano foi o trágico acidente do Sá Carneiro.
No final de 1980, com o Bruno já com oito meses, continuávamos a depender do meu vencimento da C.P. e a Marinha da Darfil. Os nossos gastos mensais eram gastos correntes, tabaco, Alimentação, para ajuda da renda da casa dos Sogros. Sobravam poucos escudos por mês. Das despesas correntes faziam parte as bicas, os fósforos, o Jornal a Bola (custava 10 escudos). Não pagava habitação, mas ajudava, porque nesse tempo vivia na casa dos meus sogros. Resumindo: éramos uns tesos!
No entanto, já então a Marinha mostrava toda a sua perspicácia para a economia doméstica. Desde o princípio da nossa relação que deleguei nela a pasta das Finanças. Tinha jeito para a matemática, mas sou capaz de errar a conta de somar mais fácil, de me enganar a preencher um cheque, de me baralhar completamente. Portanto, a Marinha é que toma conta das nossas contas, desde o princípio. Aí, muito provavelmente, o segredo do nosso sucesso...
Hoje o Bruno é pai da minha neta Beatriz.
1980
Ser Pai: E ser o que ate hoje tens sido; Amigo; companheiro; confidente; amante por amar demais; cumplice e acima de tudo o Grande Mestre. Sim pode-se dizer que o Pai é o GRANDE MESTRE de seus filhos, pois são os Pais os primeiros responsaveis pela formação de Valores de Vida que se forem implantados desde cedo, concerteza irão perpetuar pela vida futura. A Ti Pai e agora Avó, Parabens, pois teu filho irá seguir teus ensinamentos e concerteza irá passar a tua linda neta Beatriz... Bjs
ResponderEliminarFiquei com a lágrima no canto do olho, sabes que foi dificil a vida que começamos do nada
Eliminaruma beijoca para ti do teu mano que te adora