Estou só e silenciosamente a meditar, naquelas “velhas” e saudosas recordações de infância, que trago gravadas até aos dias de hoje. Daí eu partilhar convosco, estas rememorações, de tempos que já não voltam. Quero manifestar, dividir, com todos vós, essas lembranças, todos esses fascículos que ficaram por escrever, interrogações sem fim, separações, despedidas…que brotam da minha já cansada memória e que julgo terem sido verídicas, porque se fossem uma ilusão, não poderiam resistir ao tempo nem magoarem tanto. Se fossem apenas a criação imaginária de um espelho, elas não seriam aquele foco, que me tem atraído, constantemente, até à exaustão. Será a razão, a técnica ou o pensamento despidos do afeto que são capazes de ganhar essa luta desigual?
Óh que recordações meu Deus!, a envolverem lugares, terras, ocorrências passadas com pessoas, misturada com a fragrância da terra molhada, dos amigos de escola, das feridas causadas em “berridas” e nas “baçulas”, dos “trumunos” com bolas de borracha e de catchú, da Feira Popular, que ficava ali para os lados da avenida Lisboa em Luanda e de centenas de lugares, que me marcaram para todo o sempre! Óh…como me recordo de tudo! Estava a lembrar-me daquelas corridas de carros, onde tínhamos que “bater” num manípulo, para que uma bola passasse dentro de uma espécie de cesto que fazia o carro lá em cima avançar. E quando era mesmo pequeno adorava andar nos Póneis e numa pista que lá havia que fazia um 8 e uma parte passava por cima tipo viaduto.
Lembro-me também que os meus Pais ralhavam comigo por ficar acordado até mais tarde a ler os livros aos quadradinhos do Mandrake, Cisco Kid, Major Alvega, Fantasma, etc. etc.
É verdade, também me lembro de jogar à bola em frente do portão da minha casa, no Largo do Preventório Infantil de Luanda, descalço ( para não estragar os pancos ) jogava de manhã á noite, até cansar, era de deixar os velhotes quase doidos principalmente minha mãe, que queria que eu estudasse, e eu o que queria era jogar á bola, lembro-me do jogo do espeto, jogar ao berlinde, bate pé, quarto escuro, os carrinhos de rolamentos, as trotinetes e as rodas feitas de arame com uma gancheta, dos jogos do Monopólio e da Glória. Bons tempos.
Também me lembro de o meu pai ouvir os relatos dos jogos do campeonato Português de futebol principalmente os jogos do Benfica, que era quase sempre campeão!!
Lembro-me dos bolos que vendiam á porta da Escola João Crisóstomo e da Escola Industrial , os famosos bolos ROCHA, malvados bolos, mas tão bons, foram logo batizados de MATA-FOME.
Quando era kandengue não tínha TV em Luanda, mas acordava cedo aos sábados para arrumar as minhas bicuatas ( a minha mãe fazia questão que cada um dos seus filhos arruma-se o que era seu ), depois do almoço, como não tinha aulas e então ai estávamos todos para brincar, ia-mos para a rua jogar à bola, às escondidas, ao bate pé, enfim, uma série de brincadeiras que hoje não se vê mais nas ruas.
Lembro-me das quedas que dava na terra batida, era com cada ferida nas pernas que eram só desinfetadas e logo depois estava tudo bem, hoje é um cabo de trabalhos quando isso acontece.
Eu uma vez a jogar à bola caí (mas que valente baçúla) e de seguida levantei-me e disse não foi nada. E o pessoal a olhar para mim como se estivesse a ver um fantasma. Quando reparei tinha um fio de sangue a escorrer pelo braço abaixo, tinha feito uma grande ferida no cotovelo.
Conclusão, fui a casa, desinfetei, coloquei um penso grande e siga para o jogo.
Nas férias de verão, aderia muito aos encontros organizados pelo Padre Costa Pereira, como os passeios que se faziam na companhia de todos e das catequistas que nos davam catequese, as idas ao “ campo e à praia".
Bons tempos mesmo! SAUDADES
Belos tempos, o que eu me divertia .
Os tempos passam e sempre fica a saudade.
Lembro-me, de acontecimentos narrados pela Emissora Oficial de Angola, pela Rádio Eclésias de Luanda, e pela Voz de Angola;
1º Festival da Eurovisão que Portugal participou em 1964 (António Calvário ) com "A Oração"
Das transmissões do Mundial de 1966 ( mais tarde vi em cinema )
Na inauguração a 6 de Agosto de 1966 da Ponte Salazar (hoje 25 Abril)
Das "Conversas em Família" do Prof. Marcelo Caetano (1968/73) ( era uma seca meu pai queria silêncio enquanto ouvia o Marcelo )
Do "Zip-Zip", programa transmitido em direto do Teatro Villaret, com R. Solnado, Carlos Cruz e Fialho Gouveia, em 1969, que mexeu com muita coisa no País, era reproduzido na Rádio, lembro-me que á tarde mais ao menos pelas 18 h00, quase todas as mães ouviam a radionovela “MARIA” transmitida pela Rádio Eclésia.
Da agitação juvenil nas universidades e das eleições legislativas de 1969 e 1973. No ano de 1970 (eu estava em Lisboa a estudar).
Da eleição da miss Portugal ganha pela Riquita.
Da revolta fracassada do RI 5 das Caldas da Rainha, a 16 de Março de 1973.
Assisti "in loco", á revolução do "25 Abril ", em Luanda, íamos ouvindo e lendo os jornais da capital Angolana sobre o ocorrido em Lisboa.
Vivi toda a turbulência politica ou social ( o chamado PREC ) ou ( Verão quente de 75 ) ocorrida após o 25 Abril (manifes, paralisações, greves, quedas de governos sucessivamente, tentativas de tomada do poder, golpes militares, como o 11 de Março e 25 Novembro de 1975, etc. etc. etc. tudo isso porque já estava em Lisboa. Lembro-me da descolonização, e tantas e tantas outras coisas, que passaria aqui o resto do dia a enumera-las.
Eu sou do tempo em que me lembro de comer de manhã as "sopas de leite" e a farinha 33 que tinha como slogan, algo parecido a isto: Come farinha 33 e valerás por 3, e ainda a célebre farinha Amparo.
Já nos tempos de jovem dos bons velhos tempos, dos anos 1975 já a residir em Lisboa, em que na época só existia 2 canais de TV para ver, e em que não havia telemóveis que hoje se diz indispensável, hoje tenho 2 telemóveis um da empresa e um particular, ( hoje tenho 100 canais, internet e telefone ).
Depois já adulto lembro-me do que o meu filho gostava :
Os Soldados da Fortuna (a primeira vez que passou, para os mais novos, antes da versão Esquadrão Classe A da Herbert Richards ) e o Norte e Sul.
Nas séries lembro-me que ele adorava o D´Artacão. Gostava igualmente de ver o Alf, o Allô Allô, os Marretas...
E da Orangina e do Caprisonne (que agora voltou em força) e do Topo Gigio. e os Jogos Sem Fronteiras. Ele não perdia um.
E dos Kalkitos, alguém se lembra???
E as mini tortas da DanCake, ou não???
A Heidi e o Marco
A Pipi das meias altas
O fungágá da bicharada
O jornalinho
Sou a favor da modernidade, mas ás vezes dá-me a nostalgia e fico com saudades de quando não existiam telemóveis, multibancos, nets, TV`s por cabos, shoppings, fast foods, as Auto Estradas a A7, A8, A9...A49, IC´s e afins.
E quando demorávamos 7 horas a fazer a viagem de Lisboa a Guimarães, em que passávamos pelo interior de muitas cidades, pois só existia auto estrada de Lisboa a Vila Franca de Xira e dos Carvalhos ao Porto
Até destes tempos mais atuais tenho saudades, e que saudades.
O sempre igual, o repetitivo, cansa nesse eterno retorno do acontecer. O espaço da vida precisa desse tempo sem tempo que só o amor e a arte engendram pelos tortuosos caminhos da sem razão. E há palavras mudas que o olhar desenha…Palavras que discretamente moram no fundo de um silêncio, palavras que enunciam a certeza de um sentido oculto…!
ZÉ ANTUNES
2014