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10/07/2013

BELOS TEMPOS DE MENINO



Longe vão os tempos em que feliz saltava os muros dos quintais dos vizinhos e no Preventório Infantil de Luanda, onde existia uma variedade enorme de árvores de fruto, mamoeiros, goiabeiras, fruta pinha, sape sapeiros, bananeiras, e até uma macieira da índia, cajueiros, onde passava-mos horas e horas nas suas sombras, a descascar pedaços de cana de açúcar e a comê-las. No meu quintal existia uma pitangueira, um mamoeiro, um sape sapeiro e uma pereira.

Lembro-me de ver o meu pai á tardinha, á hora do jantar, depois de um dia de trabalho, colher com todo o amor que impunha ao ato, uma pera, ou umas pitangas, já maduras com um sorriso e um ar de satisfação que lhe inchava o peito, lavá-las, descascá-las e dar-nos um pedaço a cada um. Terra abençoada! 

As horas que passava empoleirado no cajueiro, a praticar os malabarismos que a idade permitia, talvez pensando um dia vir a ser artista de circo!

Eu andava ali descalço, sem camisa, a brincar, a jogar á bola com putos pretos e brancos, fui muito feliz, as brincadeiras, correr ali naquele espaço infinito, a bicharada… as formigas fuca fuca, e os seus montinhos, as aventuras que se viviam.

Os sustos que pregava á minha mãe, quando me lembrava de trepar, através do terraço da garagem e dava acesso ao telhado e me punha a chamá-la do lado de fora do telhado que dava para a rua e a pobre coitada que calmamente se encontrava na varanda a bordar, quase lhe saltava o coração pela boca de me ver ali empoleirado! 
SEMPRE FUI UM MIÚDO CALMO!
Na escola primária nº 176, estava aqui a lembrar-me de... quando um dia... por ser um menino sossegado, me puseram fora da aula e como não tinha nada que fazer... pus-me a desaparafusar os parafusos do sino, que era uma barra de carril que dava inicio e término das aulas.
Escondido fiquei a observar o efeito da minha obra, da minha brincadeira
À hora certa, lá veio o continuo bater nele
e.....PUMMMMMMMMMMMMM!!
Que grande estrondo fez ao cair, no cimento, no chão, até eu me assustei!!! Nem me passou pela cabeça que o Senhor José Santos podia ter ficado ferido, tal o peso do carril!!

Até hoje o pobre do continuo deve ter ficado a pensar o que tinha sucedido!!
E como ninguém me viu...lá passei sem ser castigado...mais uma vez! 

Da minha escola Preparatória “João Crisóstomo “, não conheço mesmo outra igual, com as suas salas amplas e arejadas, escola nova a estrear, e onde o rigor imperava à proporção das minhas brincadeiras e patifarias!

Nosso professor de Matemática era o famoso Saratoga, mas por um qualquer motivo foi substituído por uma professora... a raiva à professora de Matemática era tanta, tal a sua severidade que o Sérgio, jurou a ele próprio, que ela iria pagar por isso!

Um belo dia, durante um intervalo das suas aulas, esse colega entrou na sala e pôs-se a desencaixar a cadeira onde ela se iria sentar, rodando-a até ao limite, mas não totalmente ( era sempre a sua técnica) e saiu sorrateiramente (já nessa altura ele tinha queda pela sobrevivência!) A aula começou, entramos todos e sentamo-nos. O Sérgio estava ansioso para ver o que aquilo ia dar.

A dita Professora, Gabriela de seu nome, sentou-se e abriu o livro dos sumários, escreveu o que ia dar na aula nesse dia e...até aqui tudo normal se desenrolou, O Sérgio até já pensava...tanto trabalho para nada.. acabando de escrever o sumário, levantou-se e dirigiu-se para o quadro para escrever com giz no grande quadro negro, a matéria daquela aula, nunca mais me esqueço...terminada que foi a explicação, dirige-se para a secretária e sentou-se!!

Bem!! Depois de um reboliço de barulhos de algo a partir-se, que ninguém percebeu o que se estava a passar, a pobre da professora desapareceu e só se lhe via o carrapito da touca, ficou toda enfiada dentro do espaço da secretária reservado às pernas!! Nunca ninguém percebeu o que se tinha passado!!
ahahahahahahahahahahahahaha. Quem foi ! Quem não foi! Ninguém se acusou e a turma toda levou um processo disciplinar e um dia de suspensão, falta coletiva. O chefe de turma o Piteira, esse levou dois dias de suspensão, mas nunca disse nada e todos nós sabia-mos o autor da brincadeira.

Ficamos com tanto medo, que ninguém teve a coragem de se rir !! NEM EU!!!
Ri-me mas para dentro!

Outra...

Num altura de Carnaval...ainda era no tempo em que se usava canetas de tinta permanente e o tinteiro estava mesmo ali na secretária dos professores, e aí em combinação com mais uns quantos, para que, fica-se no ar a dúvida de quem tinha sido, parti duas bombas de mau cheiro, nos ditos tinteiros, trouxe os caquinhos na mão, e fui para o meu lugar.

Não tardou muito tempo o cheio invadiu o ambiente e ninguém parava ali dentro!
Ainda hoje consigo lembrar-me da cara séria da professora Couto Pires a olhar para nós, movimentando os olhos em todas as direções! Muito altiva, sem nada dizer, levantou-se, saiu e deixou-nos lá fechados à chave! 

Achava ela que ia-mos lá ficar???

A sala onde estávamos tinha uma portada que dava para uma pequena saliência tipo varanda. De gatas fomos todas para essa a varanda e passamos para a sala ao lado que para nossa sorte estava vazia, e lá ficamos até ao final da aula, altura em que regressamos para dentro e nos sentamos como se ali tivesse-mos permanecido o tempo todo!! Como a mesma professora nos dava 3 aulas da disciplina de ciências por semana...estão a imaginar o ambiente nas duas aulas seguintes!


SEMPRE FUI UM MIÚDO CALMO!!!!

Um dia já nem sei bem porquê, mas devia ter sido mais uma das vezes em que fui injustiçado... um outro professor, professor de trabalhos manuais, sem querer, deu-me uma palmada no pescoço, mas com força! Até vi estrelas!! E deve ter sido por isso que.... em auto defesa, estiquei-me todo, pois o dito professor era bem alto, e dei-lhe um estalo com a força toda que consegui imprimir à mão!! 

Ficamos a olhar nos olhos um para o outro e...pensei.. é desta!! Ele vai-se a mim e....vou levar poucas!! E ainda vais levar mais do diretor!!
Nada aconteceu nesses segundos a seguir e pensei.. será que ele se vai ficar sem resposta?!
A resposta veio a seguir, quando entramos na aula e me pediu o caderno...escreveu algo...e fiquei então a saber que ia três dias pra casa de férias (SUSPENSÃO)!!!
Já naquela altura se "inventavam" umas "baixas"!!

Cheguei a casa e a minha mãe tinha que ficar a saber pois tinha que assinar o dito recado!

Fui pelo caminho muito empertigado a pensar como me ia desenvencilhar de outro castigo, este dado agora pela minha mãe que também não era pera doce e passava a vida a "acertar-me o passo"!!!

Como cedo aprendi que a melhor arma de defesa era o ataque, entrei logo a reclamar que o professor tinha sido mal educado comigo etc.. etc.. etc.. e talvez porque a minha mãe, com a minha atitude, fosse apanhada de surpresa ... acho até que nem tempo teve para reagir...lá me safei!!!

O meu pai coitado.. só abanava a cabeça, admitindo para ele mesmo que tinha um filho “HIPER ACTIVO” e que não ia lá com tareia!!!

E cedo aprendeu que comigo funcionava muito mais a Psicologia! Era assim que ele me levava, aliás o único que me soube entender e levar à certa, até aos dias !!!!! até nos deixar !!!! até á sua morte!!

BELOS TEMPOS DE MENINO 

Saudades da baía de Luanda, ( marginal ) dos gelados do Baleizão, das praias de água quente da Ilha de Luanda, do cheiro da terra encarnada, do dinheiro, do negócio do café, das amizades férreas, muitas perduram até aos dias de hoje, das mangas e dos Cajús maduros, dos cinemas elegantes, da rádio ousada, do sabonete Lux e o Life Buoy, de um dia quente de sol tropical, da noite vestida de estrelas, do horizonte a perder de vista,das cervejas Cuca e Nocal geladas na Cervejaria Amazonas, ou mesmo no Matias ( Bar São João ) com um pires de dobrada, das festas de quintal, dos slows, do dançar agarradinho á namorada, dos Caricocos, do Liceu Salvador Correia e da Escola Industrial, do bolo rocha (mata fome) das lagostas no Cacuaco, das costureiras de olho na Burda, de apanhar caranguejos, do primeiro amor, das manhãs a caçar passarinhos na lagoa do Roldão, e das tardes a ouvir discos, e a ler o Tio Patinhas. A liberdade e a juventude. Os meus melhores anos, o nascer e o pôr do sol inigualáveis, me fazem ter muitas saudades “.
ZÉ ANTUNES

1967

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