Praticamente nasci nesse recanto da cidade de Luanda, Bairro Câncio Martins, ou mais conhecido por Bairro Popular nº2, fui para lá morar tinha pouco mais de 6 anos de idade.
Nos anos 1960 e 1970, como grande parte da cidade a vida resumia-se do centro da Cidade de Luanda, aos Bairros periféricos, Vila Alice, Terra Nova, Bairro Popular nº 2, Cazenga, Bairro da Cuca, Bairro Salazar, Prenda, Samba e outros. Nossos pais a trabalhar, os filhos logo aos 15 para 16 anos, quem não seguia os estudos empregava-se, outros seguiam os estudos, não dava tempo para ficar stressado, não existia "trabalho infantil " infrator, óbvio que com poucas exceções, pois como um dos moradores do bairro, acompanhei esses companheiros dos anos 1960, e sua transformação, esses moradores na sua maioria conseguiram êxito na vida com seu trabalho digno.
Ainda encontro nas ruas, muitos filhos e até netos dos moradores da época de meu pai, e a pergunta de sempre, e teu pai como vai? Ah, ele já faleceu há muitos anos, foi no ano de 1978, ah o meu também, esquecemos que já estamos na casa dos 60 anos e para os outros ainda somos novos, velhos são os outros, interessante, pois sou amigo de muitos de minha idade, crescemos juntos e meu pai foi amigo do pai desses amigos, essa foi uma das vantagens de morar-mos sempre no mesmo bairro e acreditem, muitos netos se identificam dizendo aos outros meninos, meu avô conheceu teu pai e assim por diante...
Vejo hoje essa malta dos anos 1960, quase todos reformados já com netos e na sua grande maioria tiveram bons exemplos. Quem sempre morou no mesmo bairro como eu e cresceu com ele, pode desfrutar e lembrar de como era, e esperando sempre que alguém mande fotos ou relate de como está o Bairro e mesmo aqueles que vieram embora para Portugal, e quando voltam podem verificar a transformação, com muitos deles nosso contato é constante e outros em menor escala, mas a conversa é sempre de saudade, antigamente o Bairro era assim, agora está doutra maneira ou melhor ou pior.
Alguns fatos interessantes que não é possível esquecer, era que nada acontecia de novidade na época no bairro, sempre aquela vidinha, escola para casa, trabalho para casa, às vezes íamos caçar passarinho, nadar nas linda praias da Ilha ou na Corimba e nos fins de semana futebol no campo do Clube do Bairro ou no Preventório, trumunos na Defesa Civil de futebol de salão.
Os divertimentos em casa era ouvir o jogo de futebol dos Campeonatos de Portugal, pelos profissionais da rádio, ou músicas do nosso tempo, ir ao cinema no Cine São João, ir a outros cinemas da cidade, Restauração, Império, Avis Tivoli, Miramar, Kipaca e outros sem pensar se era longe ou caro, tinha malta amiga, mais cotas que gostavam de contar histórias, e anedotas geralmente à noite, no muro do Matias ( alguém o batizou de Nosso Poleiro ).
Aos 15 ou 16 anos os pais já procuravam encaminhar os filhos para o trabalho e aí acabava as brincadeiras para muitos, escola só à noite. Muitos iam para a Escola Industrial, aprender mecânica, em tornos, engenhos de furar, fresas, época gloriosa financeiramente para quem era torneiro, fresador, hoje são apenas saudades, as máquinas computadorizadas tomaram conta de tudo, e assim como os desenhadores, hoje temos o CAD. (Desenho Assistido por Computador).
Os pais nos fins de semana ora trabalhavam em casa, pequenas obras, e depois iam beber uns finos ao Bar São João e conversar com os amigos.
A vida era tão calma que parecia também que ninguém morria, lembro-me só uma vez de um velório, na antiga capela de Santa Ana, mas não fui ver, o pavor era grande, lembro-me que só entrei num cemitério pela primeira vez com os meus 17 anos, mais ou menos, em Santa Ana , em compensação hoje em dia vemos uma morte por dia no mínimo aqui em Portugal.
Nesse Cemitério a maioria dos sepultados era de morte por doença, de idade avançada e muitos jovens, de acidentes de moto..
Quando fui para o Bairro as ruas ainda eram de terra batida, mais tarde foram alcatroadas, as ruas projetadas eram na maioria paralelas, ruas com denominações de cidades de Angola e de Portugal.
Afinal, todas as cidades, começaram um dia como uma pequena Vila, com os seus moradores, e se hoje conhecemos, por exemplo, a história oficial ou oficiosa da cidade de Luanda, dos seus bairros, é por que alguém há 500 anos escreveu, fotografou sobre a vida na cidade. O primeiro padre, o primeiro morador, a primeira família, geraram o que somos e fazemos hoje, assim caminha a vida que depois se transforma em metrópole, mas nunca esquecendo dos verdadeiros heróis que foram os primeiros moradores, a razão de tudo e graças àqueles que têm a capacidade de passar para o papel esses fatos para eternidade. Penso fazer o que me compete, recordar o que foi a minha, nossa juventude e os belos momentos vividos.
ZÉ ANTUNES
1970
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