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21/05/2013

MATARAM DONA ARMINDA



É muito fácil falar de Dona Arminda, sua mãe foi amiga pessoal de minha mãe, dos tempos do Mercado do Kinaxixe onde minha mãe tinha uma banca de legumes, mas eu só a conheci pessoalmente quando certa vez, eu e minha mãe fomos ao hospital Maria Pia e ai vi como ela era generosa e afável Dona Arminda, uma pessoa alegre, bem disposta, dedicada mas delicada com todos.

Dona Arminda era de uma bondade angelical, de uma delicadeza de princesa, de uma serenidade, de um amanhecer e de uma calma de monge. Muitas vezes ao entardecer, minha mãe visitava-a e ficavam ali na conversa até muito tarde.

Como diz o poeta, ela deveria ser eterna. 

Dona Arminda gostava de ouvir no seu rádio de pilhas em cima de uma pequena mesa na cozinha coberta com uma linda toalha de plástico xadrez amarelo e azul, quando começavam a transmitir a rádio novela “MARIA” e o início era sempre assim: Luanda são 17 horas, a linda música que antecedia o início da rádio novela fazia-a viajar pelo mundo através da voz do grande locutor e descobrir mundos e lugares jamais imaginados por sua mente. 

Vim para Portugal em 1975 e nunca mais ouvi falar nela, sei que ficou em Luanda, e neste ano de 2013 pesquisando na net reparei neste escrito que transcrevo na integra.

Nossa amiga das noitadas naqueles mufetes dançantes, que invadiam os centros recreativos de S. Paulo, Ginásio, Maxinde, Escrequenha e Perdidos. Ela partiu, deixando um grande vazio entre nós, exatamente quando tinha-mos planeado mais uma vez festejar, o seu aniversário, numa das salas da (Liga Nacional Africana ) mesmo por detrás de sua casa. Ainda me lembro como se fosse hoje, da aquela senhora branca sem kigila, como ela própria se definia. Ela morreu numa tarde de sexta-feira ( junho de 1976 ), cravada com um tiro na cabeça, quando pretendia abrir a porta, para um suposto amigo. Foi duro, ver seu corpo feito escombros dois dias, deitada no corrimão, daquele 1°- andar no Zé-Pirão.
 
Ela descansava, depois de mais um dia de trabalho, no hospital ( Maria Pia ) onde exercia medicina, quase 20 anos. Ela era um grande encanto para todos que a conheciam, e alegria das crianças, daqueles tantos vizinhos, que viam nela um grande exemplo de humanismo, carinho e amor. Quantas vezes, distribuiu rebuçados e balões para aquelas tantas crianças, que se prendiam á sua saia, mal estacionasse o seu Ford-Capry cor de laranja. Que pena !!!
 
Em Angola ela sempre, sentiu-se, como se estivesse em casa, pois de portuguesa, nascida na pátria de Camões, Mário Soares e tantos outros, ela até já tinha perdido o sotaque. Mulher alegre, sempre presente e participativa, quando fosse chamada. Respeitada e admirada pelos seus colegas de trabalho, que não hesitaram em indicar seu nome para chefiar a comissão sindical de trabalhadores do hospital, dado a sua competência e qualidade profissional.
 
Aos fins de semana, lá estava ela com seus melhores amigos ,ora na Palhota saboreando um bom churrasco ou no Maxinde dançando o semba em passadas largas, que ela adorava e escutava sempre no seu carro. Era impressionante, a alegria daquela mulher, que sabia viver todos os dias e tirava o máximo de rendimento das oportunidades que a vida lhe oferecia. Lembro-me dela como se fosse hoje, do brilho de seus olhos e das vezes que vibrava quando o ( ASA ) sua equipa de coração, entrasse em campo, ou quando no seu caro escutasse ,os brindes de ; David Zé, Urbano de Castro ou de Roberto Carlos.
 
Raramente viajava para Portugal, no seu período de férias. Tinha familiares em Benguela onde viajava sempre que pudesse. Arminda foi duro para nós ver-te partir daquele jeito, tão brutal e cruel. Os corações daqueles, que te conheciam e das crianças com quem tantas vezes brincaste, escrevem em letras de sangue, lágrimas e dor o teu nome inesquecível "Arminda " Amiga, tua imagem continua bem viva em nossa memória. Aquelas ontem crianças, hoje pais, mães e avôs ainda se lembram de ti e dos bons momentos que passaram mergulhadas em teus braços.
 
Descanse em paz, Arminda...Foi revoltante saber que teu assassino de nome ( Zé Manuel ) pouco depois tinha sua liberdade, suas armas nas mãos, para fazer novas vítimas, destruindo outras amizades, e deixando outros órfãos. 

Quem era Zé Manuel ? ----- Um jovem corpulento ( negro chocolate) como era conhecido, no meio feminino, dono de tantas garotas, charmoso, carapinha brilhante, mergulhado na fama de ser engatatão. Zé Manuel, sobrinho querido de um então, pesado major de patente, de uma importante brigada de transporte rodoviário. ( B.T.R ). Seu tio de nome conhecido "Nga Kumono ", homem arrogante, de um sorriso furioso e falso, gostava de ter a fama de ser bruto e poderoso. Não tinha filhos daí, o sobrinho ser o mais querido e protegido de tudo e todos. Para além, dos defeitos que ele considerava como virtudes, Nga Kumono era considerado um dos homens mais ricos do bairro onde nasceu ( Katepa ) em Malange. Tinha de tudo o que queria sem o menor esforço. Em Luanda morava numa das melhores, mansões da cidade, coberto por um equipamento eletrónico de vigia, piscina com mármore dourado, criados vindos do sul de Angola, muitos deles curiosamente até andavam descalços.
 
Tinha cozinheiras, Mercedes de luxo e falava-se, que era um dos maiores traficantes de diamantes no momento, e sócio de um hotel em Malange com seu conterrâneo o famoso (Paulo Stop ).Importa dizer que tal hotel chamava-se: " Kigima " também na cidade de Malange. Nga kumono tinha uma das suas mansões em Luanda, exatamente no coração entre a Vila-Alice e o bairro do Maculusso. Seu sobrinho Zé Manuel muito cedo foi identificado como o assassino de nossa amiga, pois era pessoa que frequentava o prédio. Uma vez militar, foi levado para a PM \"Policia Militar \"e segundo testemunhos, bastou dizer que era sobrinho de major Nga Kumono, os policias começaram ,a olharem-se uns para os outros.
 
Zé Manuel, não precisou confessar, pois tinha sido visto a fugir, depois do disparo mortal que levou nossa amiga para sempre. Nga Kumono, correu para a PM e lá soltou seu sobrinho, perante o olha inconformado de "Escorpião, Jacinto Lima e Veloso" que eram responsáveis da unidade militar. Onde estavam os direitos humanos ? A grande injustiça é que perdemos a nossa amiga para sempre e o assassino foi posto em liberdade como disse, delicerando familiares e amigos com a dor da perda que sentimos. Nossa dor minha amiga. Pesadelo, a família e os amigos delicerados, descrentes de tudo numa Angola, dos nossos governantes perdidos, olhando para o nada.
 
Ficamos com nossas feridas no peito, que não cicatrizarão até ao fim dos nossos dias. Juntos conhecemos o verdadeiro significado da palavra amizade. Tu partiste. Tivemos que começar tudo de novo. Nossos planos eram compartilhados. Tudo fizemos, para defender tua honra, acabamos abafados e intimidados. Juntamo-nos fizemos abaixo-assinado e acabamos por ser marcados. A quem haveríamos de recorrer? Policias e tantas outras instituições, só nos diziam que, nada havia a fazer, pois o major era forte e bem protegido. Houve até policias, que nos diziam que estavam a meter suas posições em risco, pois o major tinha cunha em todo setor, público e político. Meus irmãos, a perda de nossos amigos não pode ser em vão. Essa dor muda completamente nossas vidas e que, sabemos, nos acompanhará pelo resto dela no pode ser atoa.
 
Foi dos crimes mais bárbaros de que, alguns que moraram no Zé Pirão, tiveram conhecimento. Acredito que essa atitude monstruosa seja fruto da impunidade que já reinava em nosso país, onde nada é levado a sério e as inúmeras mortes que ocorrem de forma semelhante são encaradas apenas como números em algumas estatísticas. Irmãos, se nada for feito, amanhã poderá ser você, sua mãe, tio, amigo, irmão, vizinho, conhecido ou outro compatriota.



Fernando Vumby


2013

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