Ontem recebi um e-mail de um amigo aí de Luanda, o Francisco Manuel, que foi intitulada de: "Sua Pen drive tem Bluetooth". É uma história bem contada mostrando como que a rapidez à modernidade é difícil e quase impossível para alguns de nós, os “cotas” e as “cotas”, acompanharem! Começa com o João Luis a se deslocar a uma loja de venda de produtos informáticos, e tirando uma anotação do bolso, foi perguntando ao Empregado como se ele fosse um profundo conhecedor:
- Amigo, bons dias, vocês têm pen drives?
No que ele respondeu:
- Temos sim.
Como ele nem tinha ideia do que estava a falar e não querendo ficar mal visto com futuras indagações, perguntou logo:
- Amigo o que é pen drive? Pode me explicar? Meu filho me pediu para comprar uma.
- Como se chama o Senhor?
Eu??? Sou o João Luis
Senhor João, pen drive é um aparelho em que o senhor salva tudo o que tem no computador.
- Ah! É como uma disquete...
- Não. No pen drive o senhor pode salvar textos, imagens e filmes. A disquete, que já não existe mais, só salvava texto.
- Ah, “tá” bom. Vou querer uma.
- Quantos gigas?
- O quê?
- De quantos gigas o senhor João quer o seu pen drive? – replicou o empregado da Loja.
- E o que é giga?
- É o tamanho da “pen” - respondeu o empregado.
- Ah “tá” bom!
- Eu queria um pequeno, que dê para levar no bolso sem fazer muito volume.
- Todos eles são pequenos senhor João. O tamanho que eu pergunto é a quantidade de coisas que ele pode arquivar.
- Ah, então de quantos tamanhos tem?
- Temos dois, quatro, oito, dezasseis gigas...
- Bom! Meu filho, não disse quantos gigas queria.
- Neste caso é melhor o senhor João levar o maior.
- Sim! Eu acho que sim. Quanto custa?
- Bom o preço varia conforme o tamanho. A sua entrada do PC é USB?
- Não entendi...
- Bom, é que para acoplar o “pen” no computador, tem que ter uma entrada compatível.
- USB não é a potencia do ar-condicionado?
- Não, aquilo é BTU - responde o Empregado.
- Ah! É isso mesmo, confundi as iniciais. Bom, sei lá se a entrada do PC é USB.
- Senhor João, USB é assim olhe: com dentinhos que se encaixam nos buraquinhos do computador. O outro tipo é este, o PS2 mais tradicional, o senhor só tem que enfiar o pino no buraco redondo. O seu computador é novo ou velho? Se for novo é USB, se for velho é PS2.
- O PC do meu filho foi comprado à dois anos. O anterior PC ainda era com disquete. Este não agora não tem disquete.
- Lembra da disquete? Quadradinho, preto, fácil de carregar, quase não tinha peso. O meu primeiro computador que meu filho teve, funcionava com aquelas disquetes do tipo bolacha, grandes e quadrados. Era bem mais simples, não acha?
- Senhor João, os de hoje não têm mais entrada para disquete. Ou é CD ou é pen drive.
- Que coisa! Bem, não sei o que fazer. Acho melhor perguntar ao meu filho.
- Quem sabe o senhor pode ligar para ele?
- Bem que eu gostaria, mas meu telemóvel é novo, tem tanta coisa nele que ainda nem aprendi a discar.
- Senhor João, deixe-me ver – disse o empregado da Loja
- Poxa! Um smartphone! Este é bom mesmo! Tem bluetooth, woofle, brufle, trifle, banda larga, teclado touchpad, câmera fotográfica, flash, máquina de filmar, rádio AM/FM, TV digital, dá para mandar e receber e-mail, mensagens direcional, micro-ondas e liconexão wireless...
- Blu... Blu... “Blutufe”? E micro-ondas? Dá para cozinhar com ele?
- Não senhor João. Assim o senhor me faz rir. É que ele funciona no sub-padrão, por isso é muito mais rápido.
- Para que serve esse tal de “blutufe”? - pergunta o senhor João...
- É para um telemóvel se comunicar com outro sem fio.
- Mas que maravilha! Essa é uma grande novidade! Mas os telemóveis não se comunicam com os outros sem usar fio? Nunca precisei de fio para ligar para outro telemóvel. Fio em telemóvel, que eu saiba, é só para carregar a bateria.
- Não, já vi que o senhor João, não entende nada mesmo. Com o bluetooth o senhor passa os dados do seu telemóvel para outro sem usar fio. Lista de telefones, por exemplo.
- Ah, e antes precisava de fio?
- Não, só tinha que trocar o chip.
- Hein? Ah, sim o chip. E hoje não precisa mais de chip...
- Precisa sim, mas o bluetooth é bem melhor.
- Que bom ter chip. O meu telemóvel tem chip?
- Um momento... Deixe-me ver... Sim tem chip.
- E que faço com o chip?
- Bom, se o senhor João, quiser trocar de operadora, portabilidade, o senhor sabe...
- Sei sim portabilidade, não é? Claro que sei. Como não iria saber uma coisa dessas tão simples? Imagino, então, que para ligar tudo isso no meu telemóvel, depois de fazer um curso de dois meses eu só preciso clicar em uns duzentos botões...
- Não! É tudo muito simples, o senhor João logo apreende.
- Quer ligar para o seu filho? Anote aqui o número dele.
- Isso. Agora e só teclar
- Um momentinho
- E apertar no botão verde... Pronto, já está chamando.
João Luis segura o telemóvel com a ponta dos dedos, temendo ser levado pelos ares, para um outro planeta:
- Oi filho, é o pai.
- Sim.
- Diz-me uma coisa filho, o teu pen drive é de quantos... Como é mesmo o nome? Ah, obrigado, quantos gigas?
- Quatro gigas está bom?
- Ótimo. E tem outra coisa. O que era mesmo? Nossa ligação é USB? É? Que loucura. Então, “tá” filho, o pai vai comprar uma pen drive. De noite eu levo para casa.
- Que idade tem seu filho? - pergunta o Empregado de Balcão. Vai fazer 12 no mês que vem.
- Então é isso!
- Vou levar um de quatro gigas, com ligação USB.
Mais tarde, na oficina, examinou o pen drive, um minúsculo objeto, menor do que um isqueiro, capaz de gravar filmes! Onde iremos parar? Olha com receio para o telemóvel sobre a mesa. "Máquina infernal", pensa.
Tudo o que ele quer é um telefone para discar e receber chamadas. E tem nas mãos um equipamento sofisticado, tão complexo, que ninguém que não seja especialista ou tenha a infelicidade de ter mais de 50 saberá compreender.
Já em casa, ele entrega o pen drive ao filho e pede para ver como funciona. O garoto insere o aparelho e na tela abre-se uma janela. Em seguida, com o mouse, abre uma página da internet, em inglês. Seleciona umas palavras e um "heavy metal" infernal invade o quarto e os ouvidos de João Luis. Um outro clique e, quando a música termina, o garoto diz:
- Pronto pai, baixei a música. Agora eu levo o pen drive para qualquer lugar e onde tiver uma entrada USB eu posso ouvir a música. No meu telemóvel por exemplo.
- E teu telemóvel tem entrada de USB?
- Lógico. O teu também.
- É? Isso quer dizer que eu posso gravar músicas em uma pen drive e ouvir pelo meu telemóvel?
- Se o senhor não quiser baixar direto da internet...
Naquela noite, o João Luis, antes de dormir, deu um beijo na esposa e disse:
- Amor, você sabe que eu tenho Blutufe?
- Como é que é? - replicou a mulher.
- Bluetufe. Não vai me dizer que não sabes o que é?
- Não me chateies João , deixa-me dormir.
- Amor! Tu lembras-te como era simples a vida, quando o telefone era telefone, gravador era gravador, toca-discos tocava discos e a gente só tinha que apertar um botão para as coisas funcionarem?
- Claro que lembro, João. Mas hoje é bem melhor, não é? Várias coisas em uma só, até “Blutufe” você tem.
- E ligação USB também.
- Que ótimo João, meus parabéns.
- Meu amor, vou te contar uma coisa: com tanta tecnologia nós envelhecemos cada vez mais rápido. Eu fico doente só de pensar em quanta coisa existe por aí que nunca vou usar.
- “Ué”? Por quê?
- Porque eu não tinha aprendido a usar computador e telemóvel e tudo que acabei de aprender já está ultrapassado. Aliás, por falar nisso, temos que trocar nossa televisão.
- “Ué”? A nossa avariou?
- Não. Mas a nossa não tem HD, tecla SAP, slow-motion e reset button.
- Tudo isso?
- Tudo...
- Boa noite João, vai dormir que eu não aguento mais...
(O autor deste texto é desconhecido, mas pode ser algum de nós ou alguém que tenha nascido nos anos 40, 50, 60, 70, 80 ou até 90). E uma pequena ressalva: nunca o nosso idioma português esteve tão americanizado. Infelizmente.
ZÉ ANTUNES
2013
Sem comentários:
Enviar um comentário