Em homenagem à Nixa e Leão verde
Anos 1960/1970 no Sambizanga, uma mulher como tantas outras, vestida de trapos e acompanhada de sacos de plásticos, restos de jornais e missangas de galundo no pescoço, diambulava pelo bairro dia e noite. Figura carismática e emblemática de Luanda é a Joana “Maluca”. Irei retratar o melhor possível, o que dela tenho na minha memória da minha infância, uma das personagens mais populares a Joana “Maluca” era vista a percorrer quase toda a cidade, mas sabia-se que percorria com mais incidência o Bairro de São Paulo, o Bairro Operário, o Marçal e o Sambizanga (Sambila) ela morava (tinha uma cubata) algures até aos anos 68/69 no descampado da Travessa da Rua Missão de São Paulo depois foi viver para a Lixeira ou Casa Branca, faleceu em 1975.
Quando a miúdagem a avistava era uma gritaria infernal…. “Joana Maluca” “Joana Maluca”…e começavam a atiçá-la correndo de um lado para o outro fazendo com que ela fugisse ou se lançasse em correria desordenada sobre a miúdagem e com um pau tão seboso afim de os afugentar. E não se detinha em dar com o pau nalgum miúdo(a) que não fosse mais lesto(a) na fuga. Quando para eles corria lançava pragas terríveis e a dado momento parava, fazia com o pau uma cruz no chão e de seguida cuspia sobre ela. Nunca soube a razão de tal gesto/acto, nem nunca os mais velhos me souberam explicar “Coisas“ da mente perturbada da Joana, talvez com o significado que só ela poderia saber.
Mas o que a maioria das vezes a miudagem aguardava era quando, depois de muito “xingada”, a Joana “Maluca” levantava as suas pobres e sujas saias e sem cuecas, mostrava as suas intimidades, as suas partes baixas, enquanto dizia…. “querem ver cinema à borla, querem”…, sendo este gesto a sua “imagem de marca”. Este gesto fazia com que a miudagem ficasse mais atrevida, começando de novo a troçar e a rir dela, e lá tinha a Joana “Maluca” que deles fugir. Depois invertia-se o filme. Era a canalhada a fugir quando ela, já desesperada e não sabendo como se livrar deles, parava, olhava-os de cima a baixo e partia para cima deles com a ameaça do seboso pau. Poder-se-á dizer-se que cada uma das partes sabia qual o seu papel a desempenhar naquele acto/situação.
Por vezes os adultos intervinham em socorro dela, já que a miúdagem ficava chata e não sabia quando parar. Cabe-me aqui dizer que nunca me meti com ela, assim como meus irmãos. Não por medo ou receio, mas pura e simplesmente porque a nossa forma de ser e de estar, não era virada para esse tipo de comportamento e sabíamos da história dela.
Mas verdadeiramente nunca soube a razão dela ser “maluca”. Lembro-me sempre ter ouvido dizer que era uma rapariga atinada, com juízo, e que se falava em três versões para que o deixasse de ser, e ficasse assim.
A primeira versão é que teria sido uma boa, inteligente e esforçada aluna, com grau académico já avançado, mas que de tanto estudar teria tido um esgotamento que a levou àquele estado de demência.
A segunda versão foi a de que lhe teria subido um parto à cabeça. Sobre esta versão ouvi ainda dizer que teria tido uma filha e que estava entregue aos cuidados dos Missionários da Missão de São Paulo.
A terceira versão, dizem que a Joana era uma rapariga linda que se apaixonou por um branco e que no dia do seu casamento teve um desgosto que a fez enlouquecer de dor, nesse dia, o homem que tanto amava morreu de acidente. Não sei qual das versões será a verdadeira, ou se não terá havido outra que todos nós desconhecíamos. O certo é que a Joana “Maluca” existiu nas condições de vida e miséria que teve e envolta nesse mistério.
Lembro-me que andava sempre descalça, suja, piolhosa, com roupa estragada e rota enrolada ao seu magro corpo, e o rosto sulcado por rugas bem vincada que atestavam a sua vida degradante e errante, enquanto os pequenos olhos inquietos faiscavam face ao terror que a miudagem e a gritaria lhe infundiam. Via-a a apanhar as beatas caídas nos passeios, nas ruas e vi-a algumas vezes alcoólizada. Também é certo raramente a vi estender a mão à caridade, mas quando lhe davam alguma peça de roupa rasgava-a pois era assim que queria ver a roupa no seu magro corpo.
Não havendo miúdos e nalguns casos outros mais graúdos a meterem-se com ela, era uma paz de alma. Passava, recebia ou não o que lhe dessem e seguia o seu caminho.História de um momento com a Joana “Maluca”Teria uns 12/13 anos quando esse momento aconteceu, estava na Rua dos Pombeiros na casa do Endireita de São Paulo, tinha ido acompanhar o meu irmão Fernando, pois ao atirar-se da camioneta do Sr. Acácio deslocou o braço esquerdo, ainda hoje tem o braço com essa mazela, sem poder endireitar. Estava no portão com a Manuela ( Nelinha ) filha do Endireita, estávamos na conversa quando vimos a Joana “Maluca” aparecer ao pé dos correios e a dirigir-se para o passeio do lado onde estávamos. Viu-nos, parou no meio da rua admirada de não aparecerem miúdos a meter-se com ela, como seria habitual. No outro lada da rua estava uma rapariga e um rapaz da nossa idade, Nós observámo-la e estava ela a olhar para nós quando a rapariga teve uma “ideia luminosa”. Chamou-a, ela foi, e quando estava mais ao menos a um passo de deles diz a atrevida rapariga “ Oh Joana! Tás a ver o meu amigo que é tão bonito e loirinho, não lhe dás um beijo?!
Ficou tão surpreso com o que ouviu, que nem sequer teve tempo de reagir. A Joana “Maluca” chamou um “figo à proposta e num ápice debruçou-se sobre o rapaz, que continuava surpreso, segurou-lhe o rosto entre as mãos e deu-lhe um valente e sonoro beijo na sua face esquerda, enquanto a rapariga desatava a rir que nem uma perdida. Terá ficado também tão surpreendida com o facto, que a única reacção que teve foi rir, rir, até perder o fôlego, pois por certo que nunca contou que a Joana “Maluca” aceitasse o seu convite.
Bom quem saltou e saiu a correr que nem um maluco foi o rapaz, pois ao receber o “inesperado” beijo da Joana “ Maluca” também levou em cheio com todos os hálitos e odores que sua boca e corpo exalavam. Andou durante uns dias a lavar a face esquerda quase de hora a hora. Só agora 40 anos passados vim a saber que o tal rapaz é irmão do meu amigo Mário.
O que sei, foi que a partir daquele dia, sempre que a via a Joana “ Maluca” aparecer, resguardava-me o suficiente para não me deixar surpreender. E diziam que Ela era “Maluca” maluca uma treta, naquele dia e naquele momento não foi, ou não o quis ser.
Pintura de Joana ( net )
Canção para Joana Maluca.
Para eles
eras unicamente a suja
a piolhosa
colhendo beatas
á porta do Nacional
E lestos
enquanto o sol brincava
no ombro alcantilado
das encostas
seus rafeiros te lançavam
de dentro dos quintais.
Joana
eles sabiam tua mão
e a temiam
(tua mão espinho-de-piteira
tua mão ngana-acusadora-mesmo
ah! kikata kikata muene)
até quando
estendida tua mão
pedia.
Na escudela da noite
entre cassuneiras e muxixis
uma pobre escura flor
adormecia...
João Maria Vilanova ( poeta angolano )
Mas o que a maioria das vezes a miudagem aguardava era quando, depois de muito “xingada”, a Joana “Maluca” levantava as suas pobres e sujas saias e sem cuecas, mostrava as suas intimidades, as suas partes baixas, enquanto dizia…. “querem ver cinema à borla, querem”…, sendo este gesto a sua “imagem de marca”. Este gesto fazia com que a miudagem ficasse mais atrevida, começando de novo a troçar e a rir dela, e lá tinha a Joana “Maluca” que deles fugir. Depois invertia-se o filme. Era a canalhada a fugir quando ela, já desesperada e não sabendo como se livrar deles, parava, olhava-os de cima a baixo e partia para cima deles com a ameaça do seboso pau. Poder-se-á dizer-se que cada uma das partes sabia qual o seu papel a desempenhar naquele acto/situação.
Por vezes os adultos intervinham em socorro dela, já que a miúdagem ficava chata e não sabia quando parar. Cabe-me aqui dizer que nunca me meti com ela, assim como meus irmãos. Não por medo ou receio, mas pura e simplesmente porque a nossa forma de ser e de estar, não era virada para esse tipo de comportamento e sabíamos da história dela.
Mas verdadeiramente nunca soube a razão dela ser “maluca”. Lembro-me sempre ter ouvido dizer que era uma rapariga atinada, com juízo, e que se falava em três versões para que o deixasse de ser, e ficasse assim.
A primeira versão é que teria sido uma boa, inteligente e esforçada aluna, com grau académico já avançado, mas que de tanto estudar teria tido um esgotamento que a levou àquele estado de demência.
A segunda versão foi a de que lhe teria subido um parto à cabeça. Sobre esta versão ouvi ainda dizer que teria tido uma filha e que estava entregue aos cuidados dos Missionários da Missão de São Paulo.
A terceira versão, dizem que a Joana era uma rapariga linda que se apaixonou por um branco e que no dia do seu casamento teve um desgosto que a fez enlouquecer de dor, nesse dia, o homem que tanto amava morreu de acidente. Não sei qual das versões será a verdadeira, ou se não terá havido outra que todos nós desconhecíamos. O certo é que a Joana “Maluca” existiu nas condições de vida e miséria que teve e envolta nesse mistério.
Lembro-me que andava sempre descalça, suja, piolhosa, com roupa estragada e rota enrolada ao seu magro corpo, e o rosto sulcado por rugas bem vincada que atestavam a sua vida degradante e errante, enquanto os pequenos olhos inquietos faiscavam face ao terror que a miudagem e a gritaria lhe infundiam. Via-a a apanhar as beatas caídas nos passeios, nas ruas e vi-a algumas vezes alcoólizada. Também é certo raramente a vi estender a mão à caridade, mas quando lhe davam alguma peça de roupa rasgava-a pois era assim que queria ver a roupa no seu magro corpo.
Não havendo miúdos e nalguns casos outros mais graúdos a meterem-se com ela, era uma paz de alma. Passava, recebia ou não o que lhe dessem e seguia o seu caminho.História de um momento com a Joana “Maluca”Teria uns 12/13 anos quando esse momento aconteceu, estava na Rua dos Pombeiros na casa do Endireita de São Paulo, tinha ido acompanhar o meu irmão Fernando, pois ao atirar-se da camioneta do Sr. Acácio deslocou o braço esquerdo, ainda hoje tem o braço com essa mazela, sem poder endireitar. Estava no portão com a Manuela ( Nelinha ) filha do Endireita, estávamos na conversa quando vimos a Joana “Maluca” aparecer ao pé dos correios e a dirigir-se para o passeio do lado onde estávamos. Viu-nos, parou no meio da rua admirada de não aparecerem miúdos a meter-se com ela, como seria habitual. No outro lada da rua estava uma rapariga e um rapaz da nossa idade, Nós observámo-la e estava ela a olhar para nós quando a rapariga teve uma “ideia luminosa”. Chamou-a, ela foi, e quando estava mais ao menos a um passo de deles diz a atrevida rapariga “ Oh Joana! Tás a ver o meu amigo que é tão bonito e loirinho, não lhe dás um beijo?!
Ficou tão surpreso com o que ouviu, que nem sequer teve tempo de reagir. A Joana “Maluca” chamou um “figo à proposta e num ápice debruçou-se sobre o rapaz, que continuava surpreso, segurou-lhe o rosto entre as mãos e deu-lhe um valente e sonoro beijo na sua face esquerda, enquanto a rapariga desatava a rir que nem uma perdida. Terá ficado também tão surpreendida com o facto, que a única reacção que teve foi rir, rir, até perder o fôlego, pois por certo que nunca contou que a Joana “Maluca” aceitasse o seu convite.
Bom quem saltou e saiu a correr que nem um maluco foi o rapaz, pois ao receber o “inesperado” beijo da Joana “ Maluca” também levou em cheio com todos os hálitos e odores que sua boca e corpo exalavam. Andou durante uns dias a lavar a face esquerda quase de hora a hora. Só agora 40 anos passados vim a saber que o tal rapaz é irmão do meu amigo Mário.
O que sei, foi que a partir daquele dia, sempre que a via a Joana “ Maluca” aparecer, resguardava-me o suficiente para não me deixar surpreender. E diziam que Ela era “Maluca” maluca uma treta, naquele dia e naquele momento não foi, ou não o quis ser.
Pintura de Joana ( net )
Canção para Joana Maluca.
Para eles
eras unicamente a suja
a piolhosa
colhendo beatas
á porta do Nacional
E lestos
enquanto o sol brincava
no ombro alcantilado
das encostas
seus rafeiros te lançavam
de dentro dos quintais.
Joana
eles sabiam tua mão
e a temiam
(tua mão espinho-de-piteira
tua mão ngana-acusadora-mesmo
ah! kikata kikata muene)
até quando
estendida tua mão
pedia.
Na escudela da noite
entre cassuneiras e muxixis
uma pobre escura flor
adormecia...
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