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25/05/2012

PALUDISMO

Na manhã do dia 28 de Dezembro de 1973, uma sexta-feira, levantei-me e fui tomar o pequeno-almoço ao  Bar São João ( Bar do  Matias ).  Encontrava-me por esta altura em férias natalicias. Tinha dois rolos de fotografias das festas natalicias que precisavam de ser revelados. Para não ir sozinho à baixa de  Luanda, procurei  amigos e desafiei-os para irem comigo,  o Artur, o Reis, e o Guerra.
– Vamos, mas com uma condição. – disse o Reis.
– Qual? – Perguntei, um tanto intrigado.
 Vamos ao Quintas e Irmão,  pois preciso de tratar de um assunto pessoal, era para ver a namorada…..
–Está bem.
Chegámos à baixa de  Luanda. Fomos ao Quintas e Irmão, e enquanto o Reis  tratava do seu assunto, eu, o Artur e o Guerra, fomos à Paris comer um rissol de Lagosta,  e de seguida  fui entregar os rolos para revelar na “FOTO RESTAURADORES”, na Avenida dos Restauradores, perto do Restaurante AMAZONAS. Conversa puxa conversa, o tempo foi passando e a barriga começou a dar-nos sinal:
– E se fôssemos almoçar ao ESCONDIDINHO?
Todos concordámos e abancámos, melhor dizendo, dispensámos o balcão e fomo-nos sentar numa mesa disponível. Inspecionámos a ementa. Decidi escolher um prato que nunca experimentara: chocos com tinta. Uma maravilha! Uma tinta que escorria bem, auxiliado por uma Casal Garcia  fresca não menos saborosa.
– E se fôssemos até ao Mussulo? – alvitrou um dos meus amigos.
Todos em sintonia, como os três mosqueteiros, deixámos o restaurante, e rumamos ao cais de embarque na Corimba e apanhámos o Kitoco, o barco para  a ilha, o barco que faz a travessia e eis-nos num local quase paradisíaco.
Passeámos, brincámos, beberam-se mais uns copos acompanhados com algum marisco. Durante a sessão gastronomica, duas moças que andavam à beira-mar meteram conversa por causa dos meus calções:
– Tens uns calções muito giros. É moda nova?
Não sei se estavam no gozo ou a falar com sinceridade. Mas pouco importa. A verdade é que a conversa pegou, mais uns finos,  agora com outros motivos mais atraentes do que nós próprios e, quase sem darmos por isso, começávamos a ficar com uma noite programada sem programa prévio. Mas... E os  escudos necessários para cada um de nós poder passar a noite no apartamento delas, lá para os lados do Largo dos Lusiadas? Onde é que os íamos buscar? O dinheiro era pouco! Por muito que ele ficasse teso, tesos já nós estávamos, porque o metal sonante não nos nasce nos bolsos. Para não ficarmos mal vistos, a solução foi arranjar uma boa desculpa:
– Bem que gostaríamos de passar um serão agradável convosco. Eu até estou de férias. Mas estes meus dois amigos têm que entrar ao serviço ao fim da tarde, são militares. O melhor é combinarmos um encontro para um destes dias em que tenhamos um fim de semana. Quando é que nos podemos encontrar novamente?
– Andamos por aqui todos dias. – Disseram elas. Apareçam quando quiserem. Estamos sempre por aqui, a menos que nos surja algum compromisso.
Regressámos a Luanda. Durante a viagem, não falávamos noutra coisa: um serão gorado por tesura na carteira. Para compensar, resolvemos ir até ao Kinaxixe, e  jantar no restaurante Floresta, junto ao mercado da Maria da Fonte, e depois uma ida ao B.O. ( Bairro Operário )
– Não vamos pela Avenida dos Combatentes. – Disse o Artur. O melhor é seguirmos por trás. É uma rua paralela à Avenida, e é mais fácil de estacionar.
Durante o percurso, fizemos uma paragem para beber um canhangulo. Entrámos num bar ali para os lados da Brito Godins, nas Ingombotas,  e ficámos na conversa. O dono era simpático, sociável. De modo que a conversa foi esticando cada vez mais. Bebido um canhangulo, outros se lhe foram seguindo. O dono do bar colocou mais aperitivos na mesa, oferta da casa. No final, quase na hora de regressar ao bairro, pedimos a conta:
– Já se vão embora? Deixem-se estar mais um pouco. A minha Senhora está a fazer uma dobradinha à moda do Porto. De certeza que vocês vão gostar.
Como resistir a semelhante convite?
A confraternização prolongou-se de tal maneira, que já não havia sede, nem vontade de ir ao B. O.  O Guerra  que alvitrara a ida até ao Bairro Operário, de olhos vermelhos e já sob o efeito da bebida, depois de bem comidos e melhor bebidos, lembrou-se subitamente do destino que tínhamos traçado.
– O quê? Ir agora para o Bairro Operário? Com os estômagos cheios de feijoada e bebida? O que é que lá vamos fazer? Tu já estas é com uma valente pedrada! O melhor é irmos para casa. Amanhã voltamos a dar outra volta.
Todos concordaram comigo. Todavia, o pior é que também eu comecei a ficar mal disposto e com suores, com vontade de chegar a casa o mais depressa possível. Deixámos o bar e agradecemos a gentileza dos donos do bar, que nos ofereceram uns momentos agradáveis e nada nos cobraram.
Na ida para  o Opel Kadett que meu pai tinha vendido ao Artur, comecei a ficar seriamente preocupado comigo, não só  por causa da má disposição e suores, mas sobretudo porque me sentia mesmo mal.  Felizmente, chegamos à viatura. Embarcámos com alguma dificuldade, e rumamos ao  Bairro Popular nº 2.
Fui tomar banho, e  continuava a não me sentir bem. Os chocos com tinta, certamente, andavam-me ainda no estômago a escrever algum desarranjo intestinal. No outro dia a custo, mal podendo andar, fui ao Posto Médico,   Contei ao enfermeiro Carlos  o que se passava.
– Qual chocos, qual carapuça! Tu estás é com paludismo. Tens 39,8 de febre.  Lá fui para casa curar esta maleita e sei que a passagem desse  ano, foi em casa doente.

Zé Antunes
1973

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