Esplanada da Portugália no Largo D. João IV onde a malta amiga se reunia aos fins da tarde para comer uns petiscos e beber uns finos ( cerveja em copo ) e onde os cauteleiros se juntavam para vender o jogo da Casa da Sorte e da Casa Campião, e trocarem as cautelas premiadas onde também clandestinamente se trocavam moeda, dólares e escudos de Portugal por escudos angolanos, e onde também se vendia ouro, e se faziam até variadíssimos negócios.
Tardes quentes, mas com cerveja fresquinha na sombra das já muito velhas árvores, trocávamos ali as nossas ideias e íamos convivendo. A rapaziada que estava na tropa, nas suas folgas reuniam-se ali para saberem noticias de Portugal e de amigos.
Lembro-me que a esplanada encerrava as 23 horas, e que depois às tantas da madrugada nos reunia-mos ali depois de virmos das farras no Sindicato dos Motoristas, Casa Transmontana, casa Americana e tantas outras farras para saborearmos o pão quente que alguém ia buscar à padaria na General Carmona e com um bom chouriço e manteiga ali se degustava o tão saboroso pitéu e terminávamos a noite em amena cavaqueira.
Numa dessas tertúlias o nosso amigo Américo Barroso tira os pancos e puxa de uma cadeira e se estica todo batendo ali uma soneca pois o seu estado de sonolência a isso pedia. quando acordou e se levantou da cadeira os "pancos" já lá não moravam. Pediu a um taxista para o levar a casa ali bem pertinho, no Bº dos Coqueiros, ele espantou e disse: como é! Moras ali e tás a pedir pra te levar a casa?Aí ele explicou que lhe tinham "cangado os pancos". O madié começou a rir e disse: monta lá e prá próxima não te descalces! Aiué Zambi!
ENGRAXADOR DE SAPATOS
Era na Portugália que logo pela manhã apareciam os kandengues com as caixas de graxa para começarem a ganhar algum kumbu. Vai uma graxa? põe o pé aqui mó cota… é só uma quinhenta ( 2$50 ), vou te dar um bom brilho nos “pisos” kota, vem só, pisa aqui só… – diz o engraxador sentado debaixo de um prédio com a caixa entre as pernas encardidas de pó e com as costas apoiadas num dos pilares do prédio, batendo com a escova segura por dedos pretos de graxa. Uma T shirt, com as cores do glorioso Benfica esconde a magreza do corpo, na cabeça um encardido e descolorido boné encobre a carapinha dura de cabelos encaracolados, olhos vivos negros como o continente da terra que o viu nascer buscam irrequietos o cliente que lhe trará os primeiros vinte e cinco tostões para o matabicho que em estomâgo vazio de ontem, espera hoje a “Chandula”(Sandes) de pão com chouriço vendido pelas zungueiras (quitandeiras) nas ruas da cidade, molhada que será com uma mission de laranja (sumo), muito do agrado destas pessoas do meu Povo…
Zé Antunes - Adaptado de uma ideia do Fernando Transmontano
1973
Era por ali que passavam também as quitandeiras com as cestas do peixe á cabeça para irem até aos bairros longinquos vender o peixe fresquinho que tinham ido buscar ali a marginal ao porto de pesca. Acordou hoje, esta nossa cidade, cinzenta, fresca sem sol, nem calor. O pregão da peixeira zungueira… é carape, é carapé, ué….é cachuchu ué…ecoa nos meus ouvidos, misturado com os barulhos dos motores e das estridentes buzinas dos veículos que cruzam a rua e seguem em direcção ao Quinaxixe. No ar paira o cheiro a maresia arrastado pelo vento que vem do mar, do lado da Ilha e do Miramar, cruzando o velho cemitério do Alto das Cruzes e a mistura o pó das ruas levantado pela borracha dos pneus dos veiculos que marcham sobre este asfalto, num frenético passa e repassa. No rosto dos transeuntes as mais variadas expressões, rosto franzidos espelham as precupações do dia que agora começa, sorrisos e um bom dia dirigido a algum conhecido, mistura-se nesta amálgama de sons diversos, apertos de mãos são tocados entre os conhecidos que, apressadamente, cruzam os irregulares passeios, e por vezes um apressado dá licença, dirigido ao que parou para uma conversa rápida com o camba que apressado e de passo estugado que segue em direcção ao local de trabalho.
Para mim o Largo D. João IV era a Baixa da cidade, para outros era a Mutamba, mas era ali que todos se concentravam ou antes ou depois de irem ou virem dos seus empregos. E ali ao redor se concentrava quase tudo, Correios, Bancos, Jornal a Provincia de Angola, Policia, Livraria Lello e a Biker, Versalhes e o Polo Norte. Atravesso a rua em direcção à Pastelaria Versailhes e imbuido nos meus pensamentos logo o ardina interrompe os meus pensamentos pondo-me a frente dos olhos as edições matudinas de alguns jornais da capital de onde destaco o Jornal “ A Provincia de Angola”…. è só 10 paus ( 10$00) nó kota, tem boas notícias, vai? – diz o puto separando o jornal do grupo de outros que pesadamente carrega no seu braço esquerdo, olho o ombro roto da velha t shirt que um dia fora branca mostrava o ombro negro que despudoramente espreitava, pelo buraco da camisola. Aceito o jornal, pago-o e o ardina com um sorriso simpático de dentes brancos diz-me – vai te curar mó kota, tem boas notícias !… e lá se foi arrastando os velhos e gastos chinelos de enfiar o dedo, made in Macambira…
JORNAL A "PROVINCIA DE ANGOLA "
E com o ardina também, meus pensamentos se deixam destes cogitos e obrigam-me a centrar as atenções no denso transito da rua, que fervilha de gente que caminha nas mais diferentes direcções. Meus pensamentos ainda voam vertiginosos e sigo em direcção ao meu local de trabalho ali na Rua Conselheiro Júlio de Vilhena. E fui…
Zé Antunes - Adaptado de uma ideia do Fernando Transmontano
1973
Encontrei por acaso o seu blog, e o que me chamou a atenção foi o Província de Angola, onde trabalhou como jornalista meu pai. Tenho um espólio imenso deixado por ele por toda Angola, onde nasci. Fica aqui um grande abraço de meu pai, entretanto falecido.
ResponderEliminarCarlos Eduardo
Na Provincia de Angola trabalhava também um amigo meu O Miguel Soares Moniz que se encontra aqui em Lisboa, amigo não conheci seu pai os meus sentimentos Um bom ano paea ti e se puderes relatar essas historias é bom para saberen como nós a juventude vivia em Luanda e outras cidades de Angola
ResponderEliminarUm grande Kandandu
Olá novmente,
ResponderEliminarAs histórias que tenho são fotos que documentam as viagens de meu pai pelo CITA e da independência. Como sai muito novo de Angola, muitos lugares são-me desconhecidos, apenas que são belos demais.
Um grande abraço
Um bom fim de semana para ti
ResponderEliminarManda noticias, e se quiseres partilhar essas fotos gostaria, pode ser que me identifique com algumas
Um forte Kandandu
ZÉ ANTUNES