O embarque para Angola, no cais de Conde de Óbidos, no paquete «Vera Cruz», deu-se a 30 de Novembro de 1970, com chegada a Luanda a 9 de Dezembro. Nessa viagem foram alguns militares e civis.
A viagem decorreu durante nove infindáveis dias, pela velha rota das caravelas, onde a rotina a bordo, era o ritual das refeições, passeios pelo barco, poses fotográficas, à noite cinema e convívios no bar, e muito jogo do quino ( hoje chamado Bingo ).
A bordo existiam três classes nos paquetes transatlânticos, sendo a primeira classe destinada aos oficiais, a segunda aos sargentos e a terceira às praças. Os civis viajavam ou em 2ª classe ou em 1ª classe.
Linha imaginária do Equador
Sei que às 20 horas a tripulação do navio fez a festa tradicional, que se faz em todas as embarcações que cruzam a linha imaginária do equador, a festa de Neptuno. A tradição disse que todo o barco que cruza esta linha tem que pedir permissão a Neptuno, o deus dos mares. Diz também que todos os marinheiros que cruzam o Equador pela primeira vez devem ser “batizados” e submetidos a um ritual de iniciação com festas e tudo mais.
Neptuno ( Poseidon ) - Deus das Águas
A passagem pela linha do equador também foi assinalada com uma festa a bordo, em que participaram vários militares e civis, com dotes artísticos. Havia acordeonistas, guitarristas, fadistas, enfim artistas para quase todos os gostos, foi também eleita entre os passageiros do sexo feminino, a rainha da viagem, enfeitou-se o convés do Paquete e foi festa até altas horas da madrugada.
Por do sol na linha imaginária do Equador
Nessa viagem conheci a Mary que nasceu em França, tinha 16 anos , viajava ela e a mãe, que iam ter com o pai que já estava em Angola na cidade de Cabinda e que trabalhava para uma companhia petrolífera, a Cabinda Gulf.
Viajava com ela também uma prima, que ficaria em Luanda.
Conheci também três madiés que viajavam sozinhos e que iam para Luanda, e para casa de um tio que residia no Bairro da Cuca. Engraçado é que eu e meus irmãos, três rapazes e uma rapariga, com eles os três e mais a Mary, fizemos a viagem sempre a convivermos, desde a piscina até ás festas, ou mesmo a jogar ao Bingo, ou ás cartas.
Esses avilos eram o Adriano, o mais velho de 19 anos de idade, o Luís com 18 anos e o Carlos com a mesma idade que eu, com 15 anos.
Como era a primeira vez que viajavam para Luanda e de Transatlântico e ávidos para saber tudo relacionado com Angola, e sabendo que eu e a minha família vivia-mos em Luanda, durante a viagem iam-me pedindo informações do que eu sabia, não lhes dava muitas informações pois também era kandengue e sabia pouco do que queriam saber, mas apesar dos meus 15 anos lá os ia informando.
Entretanto o Luís apaixonou-se da Mary, na festa da passagem da linha imaginária do Equador começaram a namorar.
Chegados a Luanda e passados alguns meses, Março de 1971, o Luís já estava em Cabinda, junto do seu grande amor.
Os outros irmãos ficaram com os tios que entretanto saíram do Bº. da Cuca e foram residir para o Bº. Da Vila Alice. O Adriano começou a trabalhar na F.T.U. ( Fábrica de Tabacos Ultramarina ), mas passados pouco tempo, em Janeiro de 1973 teve que se apresentar no Regimento Militar de Luanda para cumprir o Serviço Militar e foi fazer a recruta a Nova Lisboa, vindo depois a ser integrado nos Comandos, no Quartel do Cazenga.
O Carlos foi acabar os estudos ao Liceu Salvador Correia, até ao ano de 1974, ia-mos tendo os contactos uns dos outros e ia-mos convivendo e vivendo a nossa juventude. Eu continuei os estudos na Escola Indústrial de Luanda. Nas farras de Luanda nos Clubes, encontrava-me muitas vezes com o Adriano e com o Carlos. Depois comecei também a trabalhar na Represental e a disponibilidade começou a ser pouca, mas de quando em vez lá nos reunia-mos e em bom convívio fazia-mos umas patuscadas principalmente no Bar Cravo e no Bar do Matias o São João.
Dá-se o 25 de Abril e começam os conflitos em Luanda, Luta Armada entre os três movimentos. Nunca mais vi os Madiés.
Ponte aérea em 1975 a quando da descolonização e tudo a regressar a Portugal e em Agosto encontro o Adriano que me diz que o Luis tinha falecido em Cabinda, no meio de um tiroteio, a esposa a Mary foi com os pais para a Venezuela, o Carlos foi para o Algarve, e o Adriano ficou por Lisboa, como todos à procura de trabalho, lá ia arranjando trabalho sazonal (esteve empregado na Feira Popular).
Até ao ano de 1978 ainda nos ia-mos nos encontrando ali na famosa Praça do Rossio, mas nessa data ele teve que ir para Aveiro, pois seu pai devido à sua avançada e idade e da doença que padecia ( diabetes ) tinha falecido.
O tempo foi passando, a vida dá muitas voltas, depois de tantos anos e através das redes sociais (facebook, Sanzalangola, Mazungue, etc. ) vão dizendo onde os nossos amigos se encontram. Foi o caso do Adriano, depois de tantos anos sem contacto um com o outro, eis que por mero acaso nos encontramos no Sanzalangola e logo de seguida se combinou uma grande almoçarada, no sitio do costume, no sitio do antigamente, ali na Praça D. Pedro IV, mas para quem veio de África é mais conhecida com Praça do Rossio.
Agora é só marcarmos encontros com outros avilos e estamos a conviver como antigamente, é certo todos um pouco mais cotas, mas com aquele espirito jovem que sempre tivemos.
ZÉ ANTUNES
1970
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