O meu contacto oficial com as primeiras letras foi feito na Escola Primária nº. 176 no Bairro Popular nº 2 , onde muitos de nós vivíamos. Nos dois primeiros anos, tive como professora uma respeitável senhora, Dª Fernanda, disciplinadora à moda antiga, exigente e, diga-se em abono da verdade, com alguma tendência para o castigo físico. Exageradamente, acrescento.
Dª Fernanda tinha um Fiat 600 em que as portas abriam de frente para trás e a garotada ficava à espera que ela chegasse para a ver sair do carro, ela de saias ou mesmo de vestido, claro está que a garotada queria era ver cinema à borla e Dª. Fernanda , do “alto” do seu 1,60 m de altura, impunha a disciplina à custa da “famigerada” “menina dos 5 olhos” que não era exatamente uma régua, tal a sua parecença com uma bolacha de madeira, artesanal, pesada e, sobretudo, dolorosa! Assim se castigava quem, por incapacidade, distração ou indisciplina, não agradava à professora.
São muitos os episódios que retenho desse tempo, desde a lousa de ardósia, à caneta de madeira e aparo, às carteiras com o tinteiro a meio, às brincadeiras e às primeiras “futeboladas” no recreio, à cabeça que parti ao Figueiredo (Fritas) com uma pedra mal direcionada, outra com umas setas de capim espetei uma na perna do João ( Bala ), ao respeito (ou seria medo?) que a presença da Professora Amélia (diretora da Escola) inspirava, em cada brincadeira que causasse danos físicos era chamado à Diretora, Lá ia eu a tremer como varas verdes, depois de uns raspanetes, tudo ficava bem.
Mas há um episódio para mim extremamente marcante e que hoje, à distância destes anos todos, revivo com muito pormenor. Estávamos no recreio já na 4ª classe e numa brincadeira daquelas dos miúdos se exibirem, o José Pacavira estava a equilibrar-se no muro da escola e eu vá lá saber-se porque, empurrei-o. Ele estatelou-se no chão e partiu um braço. Naquele tempo o respeito pelos professores era uma regra a ser considerada com extrema exigência e, por conseguinte qualquer “mau ato ou desrespeito” seria, com toda a certeza, objeto de intervenção “régual”. Daí o meu natural constrangimento quando fui chamado ao gabinete da Diretora que era minha professora da 4ª classe, entrei e lá vi a menina dos 5 olhos !
Começou o inquérito, pergunta daqui, pergunta dali, e eu calado sem dizer nada, cheio de medo do que me iria acontecer.
Às tantas, esgotada a paciência da Dª Amélia, que nem era muita, apercebo-me que a “menina dos 5 olhos” se preparava para entrar em ação, o que veio a acontecer, mas não da forma habitual. Eu, que me encontrava de pé, ela pega na minha mão e poisa a dita cuja e diz :
Para a próxima levas mesmo quero é juízo nessa cabeça e que não volte a acontecer nada semelhante.
Foi um alivio, e desde essa altura comecei a ter mais concentração nas brincadeiras com os colegas. Resultado, o José Pacavira foi para o Hospital acabando o ano letivo de braço ao peito.
Felizmente no ano seguinte, alguns de nós fomos para a João Crisóstomo, outros para o Liceu Salvador Correia e quase todas as meninas para o Liceu Feminino, para continuarmos os nossos estudos.
Outros tempos, outros métodos de ensino, outras formas de lidar com os nossos professores… nada comparável com os tempos atuais.
1967
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