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03/06/2012

BAILUNDO

Minhas Férias no Bailundo
Em Março de 1975 e estando à espera de ser chamado para a vida militar e como demorava essa incorporação, meti férias e fui com o José Gama até ao Huambo, numa viagem atribulada, pois no Morro do Luçusso saltou a roda de trás da Carrinha, carregada de sacos de café, sorte nossa, a carrinha não ter tombado, mas mesmo assim ainda tivemos que arranjar uns troncos de árvores para calçar a carrinha pois o macaquinho podia não aguentar o peso, e ai perdemos imenso tempo pois tivemos que andar mais ao menos um kilómetro para encontrar os pernos da roda , só se encontraram três. Nessa altura vi o meu irmão Fernando no Alto Hama a acompanhar os carrósseis do pai da namorada do Gaspar na altura, que vivia no Bairro PopularNº 2, na Rua do Crato, fiquei surpreso pois não sabíamos dele à mais ao menos um mês e em Luanda estava tudo preocupado, cheguei ao Bailundo e de lá telefonei para a “Represental” que era onde trabalhava e lá deram a noticia à minha mãe, que estava preocupada com a ausência dele.  


Chegados à casa do pai do José Gama e à chitaca (pequena quinta) logo ali comecei a ver como viviam os nativos daquela região bem bonita. Dia após  dia fui--me integrando na vivência e nos seus hábitos, conheci bem quase toda a região nas duas semanas que lá estive. Várias curiosidades me chamaram a atenção entre elas os hábitos dos nativos da região. A alimentação era pirão feito com farinha de mandioca acompanhado com peixe seco (tukeia) com óleo de palma e por vezes folhas de mandioca (a tukeia era um peixe que se criava nas cacimbas, grande extensão de terras planas e alagadas na época das chuvas. Na época seca os ovos desses peixes de pequeno porte ficavam enterrados na terra lodosa e quando chovia nasciam e criavam-se de micro algas e outros alimentos depositados no fundo. Na época da seca, esses peixes ficavam sem água e por isso eram facilmente apanhados aos milhares e depois secos ao Sol.  Pegavam na mutopa  espécie de cachimbo feito com uma cabaça na qual colocavam no interior um pouco de água e, por cima na pança, um pequeno queimador feito de argila cozida. Enchiam o queimador com folhas de makanha (tabaco) e de makonha (liamba) colhidos na ocasião, que tinham semeado junto das cubatas. Secavam-nas rapidamente numa pedra que estava muito quente junto ao fogo e colocavam a mistura no queimador. Punham uma brasa por cima da mistura no queimador e davam umas chupadelas pelo bico da cabaça que causava um borbulhar da água no interior. Passavam a mutopa de mão em mão e depois ficavam a relaxar durante o tempo que tinham para descanso. Faziam isso diáriamente e nunca vi nenhum deles em estado anormal que não lhe permitisse cumprir as suas obrigações no trabalho.

                                       Panfleto para a contratação de Bailundos


Certa vez um Soba  de uma sanzala de  Monte Belo a 25 kilómetros de Bailundo (antiga Vila Teixeira da Silva), contou-me que um dia quando num acampamento de pessoal um dos trabalhadores apanhou uma pneumonia. O pobre tossia e mal podia respirar ardendo em febre. Médico não havia por perto só a algumas centenas de quilómetros de distância e as estradas eram picadas. Não aguentaria a viagem e, por isso, tinha o fim à vista. Então ele resolveu embeber uns panos em gasóleo e colocá-los no peito e nas costas do pobre coitado tapando-o com mantas. Já tinha feito isso antes mas por vezes não tinha resultado. O homem gemeu toda a noite com dores por causa do mal agravado ainda pelo ardor causado pelo gasóleo e transpirando tanto que molhou a roupa toda. No dia seguinte a febre foi baixando lentamente e passados alguns dias estava melhor. Morreria certamente.
Bailundo (Vila Teixeira da Silva) ficava num planalto e, por isso, as ruas eram planas e como em todas as cidades de Angola nas mesmas condições o transporte usado era a bicicleta. Em 1975 algumas ruas não eram asfaltadas mas sim cobertas com uma camada de terra retirada dos morros de salalé (formiga branca) que no Verão depois de seca era semelhante ao asfalto. Como a casa do pai do José Gama e a chitaca (pequena quinta) ficava a cerca de 20 km da vila fazia todos os dias esse trajecto de mota que era do irmão do Gama. Muitas vezes cruzava-me com cafecos (raparigas jovens) cuja vestimenta era apenas um pequeno pano atado com um nó tapando o sexo e parte das pernas mas expondo completamente os belos seios. Essas jovens teriam entre os 14 e 16 anos de idade. Para quem estava habituado em Luanda ver as mulheres com vestido comprido cobrindo praticamente tudo, fiquei muito surpreendido de ver aquelas jovens quase nuas expondo os seios rijos com toda a naturalidade. Acabei por me habituar e gostar de ver como é óbvio. Quando lhes dirigia algum piropo..... diziam: aka minino ou aka chinder (branco). Eu era um jovem de 19 anos com boa figura!

Paralelo ao caminho e a cerca de uma centenas de metros, ficava uma sanzala e, por vezes, passava lá por curiosidade para ver como era a vida entre eles. No início, principalmente os homens, não gostavam muito da minha presença por causa dos cafecos mas depois acabaram por se habituar à minha curiosidade. Naquela região e ao tempo, o homem tinha tantas mulheres quantas pudesse sustentar e a sua actividade era praticamente limitada à caça a não ser que conseguissem um emprego na Vila.
As mulheres trabalhavam nas lavras (hortas) plantando mandioca, batata doce, feijão, milho, etc. muita vezes carregando os filhos às costas.  A fuba bem como o feijão provenientes das lavras e outros produtos hortícolas eram vendidos em parte a um comerciante local perto da sanzala ou trocados por peixe seco, carne seca, óleo de palma e panos. O pai do José Gama um desses comerciantes de musseque como nós lhe chamávamos em Luanda que era conhecido lá no sítio por sachingongo (bexigoso). que por sua vez  os  revendia ao Armazenista Laranjeira que os transportava para várias cidades de Angola.

Por isso, vi como as mulheres preparavam a fuba bombó (farinha) da raiz de mandioca semelhante à que se compra aqui em Lisboa nas lojas da especialidade a bom preço. As raízes da mandioca eram colocadas a fermentar num charco de água parada. Quando estavam devidamente fermentadas a casca exterior saía facilmente. Depois era partida em pequenos pedaços e colocados a secar ao Sol em kindas (açafates grandes) no cimo da cubata. Depois era moída num pilão e peneirada. Esta fuba é completamente diferente daquela que é feita no Brasil (fubá) que não é fermentada. Vi mães amamentando os seus filhos e depois de eles mamarem, davam-lhes a comer uma pequena porção de papa de fuba depois de ser mastigada por ela. Os seus filhos estavam bem nutridos.
" A fuba bombó é uma substância alimentar proveniente da mandioca pisada depois de ter sido submetida a um periodo de vários dias de fermenação. Contém, além de outros ingredients, vitaminas, proteinas e sais minerais, em percentagens naturalmente doseadas, que garantem o número de calorias para equilibrar os suprimentos que motivam a energia da vivência humana. Em circunstâncias similares, há também a fuba de milho, preparada em moldes rudimentares ou pelos processos industriais”.
Havia um pormenor que me chamou a atenção: nos miúdos o umbigo estava saliente demais talvez por o cordão umbilical não ter sido devidamente cortado. Naquele tempo os partos eram feitos nas sanzalas pelas mulheres mais velhas e experientes.
Perto da chitaca (pequena quinta) do Sr. Gama  uma mata de várias árvores e, junto à mata, um acampamento de homens e mulheres que nos fins de semana faziam uma barulheira danada cantando cadenciado acompanhados do som de um tambor até quase de madrugada. Ia frequentemente tomar banho ao rio que ficava próximo da vila. No rio,  normalmente era onde iam as lavadeiras a lavar roupa e eu tomava banho logo um pouco acima. Depois deitava-me na toalha a secar ao Sol. No sítio onde tinha tomado banho juntavam-se vários cafecos tomando banho também mas completamente nuas. A água dava-lhe pela cintura mas de vez em quando saltavam mostrando o sexo e riam em sinal de provocação falando entre si em kioko que eu não entendia ainda muito bem.
Uma lavadeira mais velha que estava perto de mim, olhou para os meus pés e disse: - Ué chinder (branco) tem tacanha (matacanha ou bitacaia) nos pé". Não percebi mas quando cheguei a casa perguntei ao cozinheiro o que ela queria dizer. 
 "Minino mostra lá os teu pé".  Mostrei-lhe os pés e ele verificou que eu tinha um ninho de matacanha (espécie de pulga) quase do tamanho de uma ervilha entre os dedos dos pés. Foi buscar um canivete bem afiado e com muito jeito sacou o ninho de ovos de matacanha sem o romper. Seguidamente deitou-lhe por cima cinza do cachimbo. A ferida sarou em pouco tempo mas ainda hoje tenho a marca no dedo grande do pé esquerdo. A matacanha ou bitacaia é muito vulgar por toda a África e é um autêntica praga. No início, quando a pulga entra na pele dá comichão e, então, é a altura adequada para a tirar com uma agulha caso contrário forma-se m ninho por baixo da pele com centenas de ovos.
Nas cidades ou vilas mais importantes os correios tinham instalados emissores para telegrafia e telefonia com 1kW de potência trabalhando em onda curta. O chefe da estação dos correios de Bailundo ( Vila Teixeira da Silva ) o Sr. Amilcar de  Carvalho. Deslocava-se duas vezes por dia numa bicicleta Riley à estação telegráfica (a Robert Hudson que estava presente em todas as vilas e cidades importantes de Angola era o representante exclusivo dessas bicicletas) para registar a leitura dos aparelhos de metereologia que depois eram transmitidos pelo Sr. Horácio para Luanda.
Vendo a minha presença quase diária na estação telegráfica perguntou ao Sr. Horácio que era o chefe daquela secção quem eu era e o que estava ali a fazer. O Horácio explicou-lhe quem eu era, que tinha vindo há pouco tempo de Luanda e que estava ali de Férias na casa do Sr. Gama de Monte Belo.
Amilcar de Carvalho era um homem simpátido de meia idade. Tinha um porte respeitável quando andava de bicicleta com  uma postura erecta com o seu capacete colonial muito branco. Simpatizou logo comigo não só pela minha disponibilidade e ajuda desinteressada, bem como querer conhecer a região, ao qual como conhecedor da região se prontificou, a mostrar-me e fui algumas vezes  ao Huambo ( antiga Nova Lisboa) no seu Land Rover bem velhinho.
                                                                 Huambo ( Nova Lisboa )
Na cidade de Nova Lisboa à tarde era frequente algumas jovens da cidade que estudavam no Liceu, frequentarem o jardim que ficava em frente ao Palácio do Governador, também o  frequentávamos o dito jardim pois era de praxe o visitar e aproveitávamos para conversar com algumas dessas jóvens pois eram pessoas educadas e simpáticas que proporcionavam momentos de conversa muito interessantes. O José Gama, foi lá que conheceu uma jovem que namorou e mais tarde se casou em Aveiro.
1975

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