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03/06/2012

REGRESSO A ANGOLA

Depois de pedir as transferências das Escolas de Portugal para Luanda, assinalar o facto de nesta viagem irem muitos militares para Angola e Moçambique. O navio tinha hora prevista de navegar as 16h00 e como era apanágio da Companhia Colonial de Navegação (C.C. N.) à hora estabelecida com a buzinadela da praxe, começamos a ser rebocados para empreender-mos a nossa viagem. Foi uma viagem fantástica, como nunca tinha feito, até então. Passados todos estes anos, ainda continuo a dizer que foi a viagem mais maravilhosa da minha vida.  Entrámos no navio e fizeram-se, a bordo, as despedidas dos familiares que lá se deslocaram com esse propósito. Éramos 5 viajantes.
Lisboa 30 de Novembro de 1970  do cais de Rocha do Conde de Óbidos em Alcântara parte o navio Vera Cruz que rumo a Angola com carga e passageiros numa viagem prevista de 9 dias, com paragem nas Ilhas Canárias. Como passageiros uma centena de pessoas com rumos diferentes no interior de Angola, e Moçambique, mulheres casadas por procuração iam ao encontro de um homem sem o ter conhecido antes, a não ser por fotografia, outras casadas por procuração, essas tinham namorado no Continente e só agora poderiam finalmente juntar à pessoa com quem tinham casado visto ele não se poder ou não querer deslocar ao Continente. Mulheres casadas com ou sem filhos que finalmente se  iam juntar aos seus maridos que tinham partido muito antes na tentativa de conseguir uma vida melhor do a que tinham no Continente. Homens que partiam também à procura de melhor vida alguns numa completa aventura outros já com carta de chamada de  amigos  ou familiares que já lá se encontravam e lhe arranjavam a tal carta de chamada que implicava uma grande responsabilidade para quem a arranjava que o tornava responsável por essa pessoa,  a maior parte era gente humilde do interior do Território que nunca tinham visto um navio ou mesmo o mar.
                   O navio "Vera Cruz" em frente ao cais da colunas em Lisboa


Assisti a todo o processo de partida do navio, não quis falhar nada. Aquele toque típico que os navios dão quando largam foi uma coisa marcante, na minha cabeça. Foi como se o navio estivesse a dizer aos que ficaram no cais, "eu vou levá-los".
A sensação de passar por baixo da ponte, à altura, Salazar e depois a saída para o mar, tudo isso foi excitante para mim. Apreciei cada segundo, cada metro de avanço do navio, rumo a Angola.
Algum tempo depois da partida, a minha mãe disse que era altura de se ir para dentro. Lá fomos. Aproveitei para visitar então todos os cantos do navio acessíveis aos passageiros: a primeira classe, que luxo(!), com as paredes todas forradas a veludo, o chão com alcatifa vermelha, aposentos mais pareciam de reis e rainhas; a turística "A", onde eu viajava e a turística "B", que era a classe mais económica. A partir do primeiro dia de viagem, o acesso estaria limitado às duas classes turísticas.


A vida a bordo era magnífica, eu pelo menos assim a vi, à altura. Tinhamos 2 camarotes, cada um com 3 beliches. Como éramos 5,  num dos camarotes ficou a minha mãe e a Melita, no outro os rapazes para podermos ficar juntos. A minha mãe inscreveu-nos a todos para fazermos as refeições no primeiro horário, dos 3 existentes. Recordo a comida a bordo como sendo deliciosa, com um cheiro fantástico. O pão era sempre quente e saboroso. os nove dias que a viagem demorou, eram vividos da seguinte forma:

Pela manhã tomávamos o pequeno-almoço ás 7,30. Ao fim íamos mais um pouco até ao nosso camarote para dar tempo que todas as pessoas se alimentassem. Depois por volta das 9,30 vínhamos para cima, ora passeávamos pelo convés, ou iamos jogar uma partida de cartas para a sala de fumo (assim era chamada). Depois ás 11,30 íamos almoçar, no fim do almoço dormiamos uma sesta  e por volta das 15 horas voltávamos a subir. Depois dividíamos o tempo ora em banhos na piscina, banhos de sol, e sempre os fantásticos passeios no convés, a olhar o mar alto vi golfinhos no alto mar . Ao fim da tarde admirar o pôr do sol sobre o oceano é algo indescritível! Eu adorava estar debruçado na proa do navio e ver a frente do barco a cortar a água.
Ás 15,30 íamos lanchar e depois voltava a diversão: jogos, passeios, piscina. Às 18 horas era o jantar. Depois o serão era passado a ver cinema, ou em bailes, ou ainda a jogar “Loto”, ou às cartas.
De entre todos esses passageiros minha Mãe eu e os meus  irmãos também nos íamos juntar ao meu Pai que se encontrava em Luanda trabalhando como encarregado Geral de Obras na Empresa Sonefe. A bordo era tudo muito estranho e diferente de tudo a que estava habituado a começar nas refeições e acabar nos camarotes  onde dormíamos,  um porão  atravancado de cestos, garrafões de vinho, de azeite, chouriços, salpicões, presuntos, fruta e outras coisa que as pessoas queriam levar consigo que impregnava o ambiente insuportável de cheiros e odores, a par dos cheiros das suas roupas e corpos por lavar, misturado com cheiro de urina de putos que nunca tinham utilizado uma casa de banho na vida deles, e por isso urinavam para o primeiro canto que encontrassem. Na primeira refeição a bordo foi um autentico desastre com as pessoas a tentar comer o que vinha para a mesa, misturando tudo numa gula desenfreada, resultado, aliado ao balanço do navio passado um bocado era o pessoal todo a vomitar por todos os cantos do barco, dia e meio depois de termos partido de Lisboa chegamos às Canárias,  alguns passageiros foram a terra , os outros ficaram abordo, Logo a saída do Porto de Las Palmas apareciam os vendedores ,  com lembranças das Ilhas Canárias, trabalho artesanal.
Dessa paragem resultou a primeira amizade feita a bordo dois irmãos, os irmãos Adrianos , que vinham bem do interior de Portugal e da minha idade um deles o mais velho comprou um pequeno cavaquinho com cordas e umas fitas amarradas muito garridas, resultado todos queriam tocar a pequena viola, tanto o aborrecemos com a insistência que ele atirou o cavaquinho pela borda fora e lá se foi a música, ouve um termo que eu aprendi com ele que nunca mais o esqueci e quando já em Portugal num encontro de pessoas retornadas de Angola em Lisboa no  restaurante PIC- NIC nos encontramos de novo ele e eu exclamamos ao mesmo tempo " Olha o madié  banga Zé"
 
1º Serviço de Refeições

Ao  chegar á chamada linha do Equador, fizemos o treino dos coletes salva-vidas. Não achei grande piada e incentivado por malta nova desobedeci ás ordens dadas pela tripulação. Fomos repreendidos. Eu era novo naquelas andanças. O comissário acabou por dizer, num tom inconfundível de reprovação: "vou escrever no livro que estes jovens,  eramos para ai uns 5 ou 6 ) desobedeceram aos treinos de salvamento e que se alguma coisa acontecer durante a viagem vocês serão responsáveis pela vossa segurança". Exigiu, depois, que voltássemos para o camarote. Ao deslocarmo-nos para o camarote as portas do navio foram-se fechando e as lampadas apagadas, como parte do exercício, o que aumentou o estado de ansiedade em que me encontrava

                                                            O navio "Vera Cruz"

O resto da viagem à excepção da passagem do Equador, no qual fizemos um exercício de por colete de salvação e ir para a nossa baleeira de salvação como se o navio estivesse a ir ao fundo com banho de água à mistura o que resultou numa grande confusão pois muitos pensaram que era a sério, eu e alguns rapazes desobedecemos e fomos repreendidos, tudo acabou em bem, o resto dos dias foram sempre  iguais até à nossa chegada a Luanda em 9 de Dezembro de 1970, manhã muito cedo, a nossa ansiedade era muito grande, com aproximação do navio ao cais de Luanda a cidade ia tomando forma, primeiro à nossa esquerda um morro enorme e bem em cima um majestoso Forte da Barra, que defendeu no tempo dos conquistadores, a entrada da barra com os seus grandes canhões virados para nós, hoje sem qualquer actividade. Em frente a cidade com os seus lindos e altos edifícios de lindas cores e uma marginal que ainda hoje é a coqueluche da cidade, à nossa direita bem dentro da cidade plantado em cima de um brutal monte de terra a Fortaleza de São Miguel local que dava para ver a cidade e as praias da Ilha quer de dia quer de noite como miradouro e com uma beleza nunca vistas.
Finalmente a 9 de Dezembro de 1970 o Paquete Vera Cruz chega a Luanda, numa manhã cinzenta e calma, motores desligados o navio entra calmamente nas águas da Baía, uma cortina cinzenta de cacimbo não deixa ver nada à nossa frente, somente se ouvem motores de outras embarcações e apitos, vozes que avisam da sua aproximação, dentro do navio a excitação é grande, correrias de um lado para o outro, o debruçar na amurada para ver se consegue descortinar algo à nossa frente, o monte de malas  nos corredores do convés, enquanto o navio desliza calmamente rumo ao Porto de Luanda, já com o Piloto da Barra a bordo que veio buscar o navio à entrada da Barra, à nossa esquerda começa-se a desenhar altos Morros de terra, entre o amarelo, vermelho e castanho, Gaivotas cruzam o navio de um lado para o outro, com os seus pios agudos e estridentes, à nossa direita uma língua de terra comprida com Palmeiras e Coqueiros à mistura com outra vegetação que dão à paisagem um tom radicalmente diferente daquilo a que vínhamos habituados do Continente de onde saímos faz hoje 9 dias.
Muito lentamente o navio lá se ia aproximando do cais as pessoas iam-se tornando cada vez mais visíveis e nós na ânsia de vermos as pessoas que procurávamos íamos gritando estão ali, não ali, não está de camisa branca, até que sim lá conseguíamos ver quem queríamos e aí eram os gritos os acenos as perguntas, feitas as manobras de atracagem do navio, começaram as formalidades de desembarque já com as autoridades a bordo.
Tudo com muita lentidão à mistura com empurrões todos a quererem ser os primeiros, finalmente chegou a nossa vez de sair e  pisando  solo africano, da nossa Luanda que  eu tinha deixado em Abril desse ano e é  uma sensação muito estranha de sons, cheiros e vozes e à mistura uma embriaguez que nos põe tonto e sem reacção.
Os veteranos em viagens de navio praxaram os iniciados com o "Baptismo de bordo" a que eram sujeitos os iniciados. que consistia em colocarem uma capa vermelha e verde nos iniciados e depois dizerem umas palavras enquanto outros deitavam quantas mistelas podiam na cabeça deles, desde farinha a ovos. No fim atiravam com
os iniciados para a piscina, perante as palmas e gargalhada geral.
Seguimos viagem e foram mais 7 dias a ver só  céu e mar e a ver alguns golfinhos que de vez em quando apareciam na proa do navio.
Os Europeus num tom de pele muito tisnado, mesmo amarelo torrado num contraste de vestimentas brancas e muito suados, em contra partida os negros calmos pachorrentos transpirando muito e com os olhos muito abertos olhando as cenas de chegada dos abraços, dos beijos, eram os bagageiros que transportavam as nossas malas para os carros que nos levariam enfim para os locais que cada um iria habitar.
Postas as malas na carripana que nos veio buscar, conduzida pelo Sr. Mota,   que nos transportaria à nossa casa  no Bairro Popular nº 2,  a minha Mãe na cabine, e nós os quatro  na carroçeria que era aberta e junto com as malas, com os olhos muito abertos olhando numa ânsia desmedida de querer mirar tudo numa só vez, tal era a saudade,   marginal fora que encanto de Avenida ladeada do lado direito por Palmeiras junto ao mar formando então a tal famosa Baía de Luanda, um dos muitos locais que muito me marcaria para o resto da minha vida.
Deixamos para trás a avenida e seguimos  pela estrada de catete até ao Bairro Popular,  levantando uma poeira que à mistura com o suor que nos começava a escorrer pelo corpo sujando a roupa e o corpo, e nos tornava indolentes.
O navio "Vera Cruz" chegou ao Porto de Luanda um pouco antes da hora do pequeno - almoço, dia 9 de Dezembro de 1970, Já o Sr. Mário Mota, família e meu pai,  estavam à nossa espera para nos levarem para a nossa casa no Bairro Popular nº2.
Algumas ruas em terra batida avermelhada, marcada  sómente pelos sulcos que os carros  deixavam ao passar, um pequeno desvio e lá ficava um enterrado isto sem contar com os grandes buracos que quando chovia formavam grandes lagos que eram a alegria de muitos negros miúdos que chafurdavam nesses lagos de uma cor avermelhada com tons de castanho, e que serviam como Piscinas. Água canalizada era um luxo para alguns, essas lagoas serviam também para nascer e criar milhões de mosquitos que eram uma das maiores pragas que cedo tivemos de começar a enfrentar, começando logo por tomar comprimidos contra o paludismo, camoquine todos os dias e resoquine todas as semanas, águas fervidas e passadas pelo filtro um bonito aparelho de louça com uma vela também em louça por onde a água teria de passar e ser então filtrada saindo através de uma torneira metálica era uma água fresca e saborosa, depois de muitas peripécias lá chegamos ao Bairro Popular.
Chegados à casa que viríamos a habitar até 1975,  a nossa excitação era enorme, começamos a correr, para dentro de casa,  descarregadas as malas começamos logo por atacar bananas que o meu Pai tinha na dispensa da casa, um grande cacho de grandes e maduras bananas, percorridas as divisões da casa e um grande anexo que ficava na parte de trás da casa, ou seja queríamos ver se se tinha modificado alguma coisa desde a nossa ida até ao Puto.
Esses amigos que conheci no barco, eram a primeira vez que iam para Angola, O casal Adriano.  O casal tinha dois filhos o José Adriano e o João Adriano e duas filhas, a Maria João  e a Maria José.
Em 1975 regressei a Portugal devido à descolonização, e para minha grande alegria, casualmente  encontro a Maria João em 1995,  que me diz que a Maria José  também estava em Portugal, e que os irmãos estavam ambos no Canadá com isto tinham passados  vinte  anos sem nos ver-mos pedi através da irmã que ela me recebe-se o que veio a acontecer, foi um encontro por demais emocionante, mas muita coisa tinha acontecido nas nossas vidas, nada era como antigamente, ela tinha a vida e o casamento destroçados, pois também casou, mas  não deu certo, teve que criar três filhos sózinha,  quando nos encontramos ela estava com os três filhos sozinha em Portugal.

1970


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