Apesar de há anos haver em Angola ensino básico obrigatório, liceus e universidades para todos os que tivessem capacidade de prosseguir, serviços de saúde gratuitos, uma classe média e média alta de naturais de Angola alguns bem colocados em lugares de destaque na sociedade e na política, trabalho para aqueles que quisessem e tudo o mais necessário para a vida quotidiana, havia sempre aqueles que doutrinados em comícios de “musseque” do MPLA contestavam tudo como é hábito dos militantes dos partidos esquerdistas.
A partir desta data o comportamento dessa gente dos “musseques” mudou completamente alguns mesmo confrontando os brancos sem motivo que o justificasse só por provocação. Estava claro que havia uma doutrinação pelo MPLA nesse sentido porque Luanda era onde tinha mais influência. Felizmente aqueles que sempre trabalharam honestamente quer no comércio, na construção civil ou noutras profissões e que sempre foram tratados por igual, o seu comportamento sempre foi o mesmo que anteriormente salvo raras excepções. O pessoal que trabalhava comigo sempre me estimou até ao dia que resolvi regressar a Portugal.
Foi sugerido a quem fosse branco filiar-se num dos três partidos conforme a nossa ideologia política. Muitos escolheram a UNITA porque acreditavam em Savimbi porque conheciam perfeitamente a sua maneira de actuar no mundo e a história veio dar-lhes razão.
UNITA M.P.L.A. F.N.L.A.
Um vizinho colocou numa das suas janelas um cartaz do Galo Negro mas quando em Luanda os partidos começaram a guerrear-se apressou-se logo a retirar o galo do poleiro. Um outro dos meus vizinhos que era militante da FNLA viu a sua casa assaltada por gente do MPLA deixando só as paredes nuas porque até as portas levaram. O que ainda restava das tropas portuguesas assistiam impávidos aos saques. Isto foi muitas vezes presenciado por mim. Até dava raiva tanta humilhação!
O MPLA nessa altura não tinha praticamente tropa armada e foram os tais presos políticos libertados das cadeias alguns criminosos presos por delito comum, que foram engrossar as fileiras dos heróicos combatentes do MPLA. Rosa Coutinho e os seus camaradas depois de parte significativa das nossas tropas se terem retirado, entregaram ao MPLA as armas do militares portugueses, fardamentos, rações e tudo o mais que restou. Agora imagine-se uma G3 nas mãos de um criminoso! Mais tarde, quando as tropas portuguesas retiraram a maior parte dos soldados nativos que serviram no exercito português passaram para o MPLA com todo o armamento.
Um meu amigo com quem contacto quase diariamente e que ficou lá algum tempo depois da independência, quando terminou o contrato com a firma onde trabalhava um dos seus colegas com quem tinha mais confiança disse-lhe se não queria trazer para o Puto uma G3. Recusou. Imagine-se sair de Angola ou entrar em Portugal com uma G3! Por curiosidade perguntou-lhe onde ele tinha conseguido a arma. A resposta foi imediata: foi o Rosa Coutinho que as mandou distribuir pelo povo! Mais tarde, veio a saber que o empregado era simpatizante da FNLA e foi assassinado. Afinal o homem o que queria era desfazer-se da G3.
Uma manhã ia ao Bairro de São Paulo e, para encurtar caminho, subi a avenida do Brasil e voltei junto ao hospitalDr. Américo Boavida (na altura Hospital Universitário de São Paulo) por uma rua junto ao musseque Marçal que ia dar à estrada da Cuca à Francisco Newton e ao Bairro de São Paulo onde estava instalada a estação dos Correios. Saiam densas nuvens de fumo do meio do musseque e as casas dos comerciantes brancos que ladeavam a rua estavam todas a arder. Junto das casas vi automóveis também arder um dos automóveis com um branco lá dentro já carbonizado, provavelmente os comerciantes e as famílias que tentaram escapar. Era uma visão apocalíptica. Nem queria acreditar no que via! Para mim, o que estava vendo, destruiu imediatamente a intenção da paz tão apregoada pelo MPLA e pelos restantes partidos.
Não obstante todos esses problemas havia liberdade de expressão tal como havia em Portugal senão mais ainda. Para atenuar um pouco as complicações surgidas no dia a dia ia de vez em quando ao cinema ver filmes que nunca até então tinham sido autorizados a projectar tal como o filme erótico “Emmanuelle” ou o “Último tango em Paris”e outros mas foi este filme que foi projectado no cinema Avis que ficava no bairro "chique" do Alvalade que mais apreciei. Ainda hoje recordo com saudade este excelente filme.
Como de costume ia com, a minha Honda 350 Scrambler que havia comprado. Um pouco mais adiante, passando no Bairro do Rangel, estava colocada na rua uma barricada com as bicuatas dos comerciantes brancos a arder, em Outubro de 1974 todos os comerciantes que estavam nos mussseques tinham sido expulsos. Olhei para o lado do mussseque e vi um grupo de nativos armados com catanas que, apontando para a minha Mota diziam: "Vem ali mais um filho da p... do branco, vamos matar o gajo". Vendo o perigo, abrandei a marcha e aproximei-me lentamente da barreira a arder. Parei, Eles já vinham a correr para me lincharam, meti a primeira velocidade e acelerei a fundo. Tive sorte eles não terem uma arma automática caso contrário ficaria lá como os outros brancos a estorricar. Era a barbárie instalada com o consentimento do MPLA. Era este o comportamento dos heróis do MPLA tal como foi os da FNLA em 1961.
Para vos mostrar a estupidez e ignorância desses soldados de ocasião do MPLA vindos das cadeias, vou contar um caso que mais parece uma anedota mas que foi real. Uma manhã quando ia para o trabalho na Rua Machado Saldanha que ligava o Bairro Popular nº 2 à Estrada de Catete, um miúdo pioneiro do MPLA armado com uma arma feita de madeira, foi para o meio da rua e fez-me sinal para parar.
Disse para com os meus botões: - mas que é que esse puto quer? Parei e olhando para o lado do Cemitério de Santa Ana vi dois soldados do MPLA armados com G3. Um deles aproximou-se de mim e disse-me para descer da Mota porque queria me revistar e ver se eu trazia armas. Tás fodido branco da tuge (merda) ". Tinha que conseguir uma desculpa rapidamente senão iria ter problemas.
Calma camarada eu vou só nas bumbas, sem maka nenhuma, estamos juntos, sou mangolé…. Disse eu… lá me deixaram seguir, depois de bem revistado, …como poderia ser esconder uma arma na mota ou no meu corpo…, mas com o aviso que tinha que os respeitar, e ai eu sai de pianinho, e o miúdo ( pioneiro ficou a rir ).
Quando cheguei aos Escritórios da Empresa e contei o sucedido ao pessoal e disse que se assim continuasse, teria que ir para Portugal porque estava a arriscar a minha vida. Estávamos já em Junho de 1975. Eles nem queriam acreditar que eu me iria embora e um deles perguntou-me:
E quem vai ficar aqui ? Indiquei-lhe um Desenhador ( tirocinante ) angolano mestiço o Ernesto, que eu estava a ensinar mas sabia de antemão que ele não daria conta do recado, e a mais estava tudo parado... O quê? "Esse mulato, não pode!"(tal era o racismo) Tá bem disse eu, então quem é que aqui mais sabe desenhar? Silêncio.
Nesse dia à tarde estava eu no Bar do Matias no Bairro Popular nº2, De repente um gatuno sem que eu visse, deita a mão ao relógio de pulso do Luis Peralta “Luis Gordo” que era um cronómetro que se usava para mergulhar e voar, desatando depois a fugir. Naquela altura para mim era fácil deitar-lhe a mão. Olhei em volta e quem estava ali. Dois soldados do MPLA armados impávidos e serenos com um sorriso nas fuças pelo que acabavam de presenciar.
Foi feito um aviso pela rádio e nos jornais para que todos os brancos entregassem as armas que tinham em casa. Era uma maneira de nos desarmar. Constava que isto tinha sido ideia do almirante vermelho Rosa Coutinho.
A vida em Luanda estava cada vez pior e era um problema já não digo para viver mas para sobreviver, havia prepotência mesmo daqueles que tinham mais instrução pois já se julgavam os senhores da terra e com direito a tudo. Uma tarde estava no Baleizão a beber umas cervejas e à minha frente estava um grupo de angolanos (pretos) a beber e conversar. Pela conversa depreendi que eram militantes do MPLA e trabalhavam para o Governo Provisório provavelmente como subalternos. Quando acabei de beber um deles levantou-se e veio ter comigo e de modo autoritário disse-me:
Leva-me ao Palácio. Eu respondi-lhe. O xiante é da Empresa e está sem gasolina.Essa viatura agora é nossa por isso faz o que estamos a mandar. Para quem conheceu o Baleizão, havia uma rua com calçada muito estreita e íngreme que só tinha sentido descendente e ia dar à rua da Fortaleza. Eu tinha o VAUXHALL estacionado no fim da rua mesmo junto ao bar. Pensei cá para comigo se não levo este gajo ao palácio vou ter problemas mas tenho de lhe dar uma lição para lhe acabar com a prepotência. Está bem, entra ai, te levo. Acelero a 1º velocidade a toda a força e de seguida faço um pião, que o homem vendo aquela manobra arriscada de preto ia virando branco! Pára aí, você é maluco e ainda me mata. Voltei para a minha cerveja e ninguém mais me chateou.
Já havia pouca comida em casa, e nos restaurantes não prestava por ser de má qualidade e um dia até o peixe estava estragado. A dactilógrafa menina Pacavira ( era assim que a tratavamos )disse-me: Zé Antunes, hoje não tenho dinheiro para comer. Não faço ideia o que ela fazia ao seu vencimento (metia uns vales de vez em quando) mas parece que gostava de beber uns copitos ou coisa parecida.
Bom, então só tens uma solução: eu tenho arroz e azeite em casa dos meus cotas mas conduto não há. Como há ai uma cana de pesca vais até à ilha pescar e depois grelhas o peixe e comes com arroz. Já que pouco havia que fazer nos serviços pois estava tudo parado com as confusões, ela tinha tempo de sobra para ir pescar. Eu sabia que ela se gabava de ser boa pescadora.
Foi para a ilha, ali na chicala toda a manhã, e pescou mabangas na praia para isco. E nesse almoço tínhamos bom peixe para comer, mas faltava o vinho. Então ela disse que poderia conseguir os garrafões de vinho que quisesse, bastava ir com ela ao musseque onde morava.
Tens a certeza de que não há problemas? Olha que eu já me safei de umas e não me quero meter em outras. Eu não sabia que ela era militante do MPLA. Fomos no VAUXHALL da empresa ao tal musseque ao Katambor. Estacionei o carro na Avª. Lisboa e entramos no musseque, tinha andado ainda poucos metros, quando ouvi dizer. Oh ..... ainda andas com o colono?
Ela respondeu: cala a boca este não é um colono é o meu amigo, meu kamba, meu avilo é mangolé. Chegados à casa do fornecedor bateu à porta e quando a porta se abriu apareceu o suposto dono, pois a loja deveria ter sido de algum branco o homem, um preto grandalhão, olhou-me com cara de espanto mas ela disse-lhe:
Camarada, este é o meu avilo e não é um branco como os outros. Queremos comprar dois garrafões de vinho. Dentro de instantes tínhamos o vinho no carro fomos almoçar. Dali para a frente quando precisava de comida íamos ao musseque ao fornecedor que tinha de tudo, desde rações de combate e outras comidas enlatadas até aos garrafões de vinho, etc. Era mais que evidente que eu sabia perfeitamente de onde tinha vindo aquilo tudo, houve um roubo nos Armazéns António de Paula ali no Bairro do Café, mas não o comentei com a Pacavira.
Aqui está uma prova mais que evidente de que o camarada Rosa Coutinho permitiu o saque dos armazéns, a tropa portuguesa nada fazia porque parte dela queria vir embora e parte dela estava já a abandonar Luanda. No dia 21 de Junho de manhã chegou o avião e embarquei rumo a Lisboa. Quando o avião levantou voo olhei para trás para ficar para sempre na minha memória aquela terra a quem tanto dei e nada recebi !
1975
A partir desta data o comportamento dessa gente dos “musseques” mudou completamente alguns mesmo confrontando os brancos sem motivo que o justificasse só por provocação. Estava claro que havia uma doutrinação pelo MPLA nesse sentido porque Luanda era onde tinha mais influência. Felizmente aqueles que sempre trabalharam honestamente quer no comércio, na construção civil ou noutras profissões e que sempre foram tratados por igual, o seu comportamento sempre foi o mesmo que anteriormente salvo raras excepções. O pessoal que trabalhava comigo sempre me estimou até ao dia que resolvi regressar a Portugal.
Foi sugerido a quem fosse branco filiar-se num dos três partidos conforme a nossa ideologia política. Muitos escolheram a UNITA porque acreditavam em Savimbi porque conheciam perfeitamente a sua maneira de actuar no mundo e a história veio dar-lhes razão.
UNITA M.P.L.A. F.N.L.A.
Um vizinho colocou numa das suas janelas um cartaz do Galo Negro mas quando em Luanda os partidos começaram a guerrear-se apressou-se logo a retirar o galo do poleiro. Um outro dos meus vizinhos que era militante da FNLA viu a sua casa assaltada por gente do MPLA deixando só as paredes nuas porque até as portas levaram. O que ainda restava das tropas portuguesas assistiam impávidos aos saques. Isto foi muitas vezes presenciado por mim. Até dava raiva tanta humilhação!
O MPLA nessa altura não tinha praticamente tropa armada e foram os tais presos políticos libertados das cadeias alguns criminosos presos por delito comum, que foram engrossar as fileiras dos heróicos combatentes do MPLA. Rosa Coutinho e os seus camaradas depois de parte significativa das nossas tropas se terem retirado, entregaram ao MPLA as armas do militares portugueses, fardamentos, rações e tudo o mais que restou. Agora imagine-se uma G3 nas mãos de um criminoso! Mais tarde, quando as tropas portuguesas retiraram a maior parte dos soldados nativos que serviram no exercito português passaram para o MPLA com todo o armamento.
Um meu amigo com quem contacto quase diariamente e que ficou lá algum tempo depois da independência, quando terminou o contrato com a firma onde trabalhava um dos seus colegas com quem tinha mais confiança disse-lhe se não queria trazer para o Puto uma G3. Recusou. Imagine-se sair de Angola ou entrar em Portugal com uma G3! Por curiosidade perguntou-lhe onde ele tinha conseguido a arma. A resposta foi imediata: foi o Rosa Coutinho que as mandou distribuir pelo povo! Mais tarde, veio a saber que o empregado era simpatizante da FNLA e foi assassinado. Afinal o homem o que queria era desfazer-se da G3.
Uma manhã ia ao Bairro de São Paulo e, para encurtar caminho, subi a avenida do Brasil e voltei junto ao hospitalDr. Américo Boavida (na altura Hospital Universitário de São Paulo) por uma rua junto ao musseque Marçal que ia dar à estrada da Cuca à Francisco Newton e ao Bairro de São Paulo onde estava instalada a estação dos Correios. Saiam densas nuvens de fumo do meio do musseque e as casas dos comerciantes brancos que ladeavam a rua estavam todas a arder. Junto das casas vi automóveis também arder um dos automóveis com um branco lá dentro já carbonizado, provavelmente os comerciantes e as famílias que tentaram escapar. Era uma visão apocalíptica. Nem queria acreditar no que via! Para mim, o que estava vendo, destruiu imediatamente a intenção da paz tão apregoada pelo MPLA e pelos restantes partidos.
Não obstante todos esses problemas havia liberdade de expressão tal como havia em Portugal senão mais ainda. Para atenuar um pouco as complicações surgidas no dia a dia ia de vez em quando ao cinema ver filmes que nunca até então tinham sido autorizados a projectar tal como o filme erótico “Emmanuelle” ou o “Último tango em Paris”e outros mas foi este filme que foi projectado no cinema Avis que ficava no bairro "chique" do Alvalade que mais apreciei. Ainda hoje recordo com saudade este excelente filme.
Como de costume ia com, a minha Honda 350 Scrambler que havia comprado. Um pouco mais adiante, passando no Bairro do Rangel, estava colocada na rua uma barricada com as bicuatas dos comerciantes brancos a arder, em Outubro de 1974 todos os comerciantes que estavam nos mussseques tinham sido expulsos. Olhei para o lado do mussseque e vi um grupo de nativos armados com catanas que, apontando para a minha Mota diziam: "Vem ali mais um filho da p... do branco, vamos matar o gajo". Vendo o perigo, abrandei a marcha e aproximei-me lentamente da barreira a arder. Parei, Eles já vinham a correr para me lincharam, meti a primeira velocidade e acelerei a fundo. Tive sorte eles não terem uma arma automática caso contrário ficaria lá como os outros brancos a estorricar. Era a barbárie instalada com o consentimento do MPLA. Era este o comportamento dos heróis do MPLA tal como foi os da FNLA em 1961.
Para vos mostrar a estupidez e ignorância desses soldados de ocasião do MPLA vindos das cadeias, vou contar um caso que mais parece uma anedota mas que foi real. Uma manhã quando ia para o trabalho na Rua Machado Saldanha que ligava o Bairro Popular nº 2 à Estrada de Catete, um miúdo pioneiro do MPLA armado com uma arma feita de madeira, foi para o meio da rua e fez-me sinal para parar.
Disse para com os meus botões: - mas que é que esse puto quer? Parei e olhando para o lado do Cemitério de Santa Ana vi dois soldados do MPLA armados com G3. Um deles aproximou-se de mim e disse-me para descer da Mota porque queria me revistar e ver se eu trazia armas. Tás fodido branco da tuge (merda) ". Tinha que conseguir uma desculpa rapidamente senão iria ter problemas.
Calma camarada eu vou só nas bumbas, sem maka nenhuma, estamos juntos, sou mangolé…. Disse eu… lá me deixaram seguir, depois de bem revistado, …como poderia ser esconder uma arma na mota ou no meu corpo…, mas com o aviso que tinha que os respeitar, e ai eu sai de pianinho, e o miúdo ( pioneiro ficou a rir ).
Quando cheguei aos Escritórios da Empresa e contei o sucedido ao pessoal e disse que se assim continuasse, teria que ir para Portugal porque estava a arriscar a minha vida. Estávamos já em Junho de 1975. Eles nem queriam acreditar que eu me iria embora e um deles perguntou-me:
E quem vai ficar aqui ? Indiquei-lhe um Desenhador ( tirocinante ) angolano mestiço o Ernesto, que eu estava a ensinar mas sabia de antemão que ele não daria conta do recado, e a mais estava tudo parado... O quê? "Esse mulato, não pode!"(tal era o racismo) Tá bem disse eu, então quem é que aqui mais sabe desenhar? Silêncio.
Nesse dia à tarde estava eu no Bar do Matias no Bairro Popular nº2, De repente um gatuno sem que eu visse, deita a mão ao relógio de pulso do Luis Peralta “Luis Gordo” que era um cronómetro que se usava para mergulhar e voar, desatando depois a fugir. Naquela altura para mim era fácil deitar-lhe a mão. Olhei em volta e quem estava ali. Dois soldados do MPLA armados impávidos e serenos com um sorriso nas fuças pelo que acabavam de presenciar.
Foi feito um aviso pela rádio e nos jornais para que todos os brancos entregassem as armas que tinham em casa. Era uma maneira de nos desarmar. Constava que isto tinha sido ideia do almirante vermelho Rosa Coutinho.
A vida em Luanda estava cada vez pior e era um problema já não digo para viver mas para sobreviver, havia prepotência mesmo daqueles que tinham mais instrução pois já se julgavam os senhores da terra e com direito a tudo. Uma tarde estava no Baleizão a beber umas cervejas e à minha frente estava um grupo de angolanos (pretos) a beber e conversar. Pela conversa depreendi que eram militantes do MPLA e trabalhavam para o Governo Provisório provavelmente como subalternos. Quando acabei de beber um deles levantou-se e veio ter comigo e de modo autoritário disse-me:
Leva-me ao Palácio. Eu respondi-lhe. O xiante é da Empresa e está sem gasolina.Essa viatura agora é nossa por isso faz o que estamos a mandar. Para quem conheceu o Baleizão, havia uma rua com calçada muito estreita e íngreme que só tinha sentido descendente e ia dar à rua da Fortaleza. Eu tinha o VAUXHALL estacionado no fim da rua mesmo junto ao bar. Pensei cá para comigo se não levo este gajo ao palácio vou ter problemas mas tenho de lhe dar uma lição para lhe acabar com a prepotência. Está bem, entra ai, te levo. Acelero a 1º velocidade a toda a força e de seguida faço um pião, que o homem vendo aquela manobra arriscada de preto ia virando branco! Pára aí, você é maluco e ainda me mata. Voltei para a minha cerveja e ninguém mais me chateou.
Já havia pouca comida em casa, e nos restaurantes não prestava por ser de má qualidade e um dia até o peixe estava estragado. A dactilógrafa menina Pacavira ( era assim que a tratavamos )disse-me: Zé Antunes, hoje não tenho dinheiro para comer. Não faço ideia o que ela fazia ao seu vencimento (metia uns vales de vez em quando) mas parece que gostava de beber uns copitos ou coisa parecida.
Bom, então só tens uma solução: eu tenho arroz e azeite em casa dos meus cotas mas conduto não há. Como há ai uma cana de pesca vais até à ilha pescar e depois grelhas o peixe e comes com arroz. Já que pouco havia que fazer nos serviços pois estava tudo parado com as confusões, ela tinha tempo de sobra para ir pescar. Eu sabia que ela se gabava de ser boa pescadora.
Foi para a ilha, ali na chicala toda a manhã, e pescou mabangas na praia para isco. E nesse almoço tínhamos bom peixe para comer, mas faltava o vinho. Então ela disse que poderia conseguir os garrafões de vinho que quisesse, bastava ir com ela ao musseque onde morava.
Tens a certeza de que não há problemas? Olha que eu já me safei de umas e não me quero meter em outras. Eu não sabia que ela era militante do MPLA. Fomos no VAUXHALL da empresa ao tal musseque ao Katambor. Estacionei o carro na Avª. Lisboa e entramos no musseque, tinha andado ainda poucos metros, quando ouvi dizer. Oh ..... ainda andas com o colono?
Ela respondeu: cala a boca este não é um colono é o meu amigo, meu kamba, meu avilo é mangolé. Chegados à casa do fornecedor bateu à porta e quando a porta se abriu apareceu o suposto dono, pois a loja deveria ter sido de algum branco o homem, um preto grandalhão, olhou-me com cara de espanto mas ela disse-lhe:
Camarada, este é o meu avilo e não é um branco como os outros. Queremos comprar dois garrafões de vinho. Dentro de instantes tínhamos o vinho no carro fomos almoçar. Dali para a frente quando precisava de comida íamos ao musseque ao fornecedor que tinha de tudo, desde rações de combate e outras comidas enlatadas até aos garrafões de vinho, etc. Era mais que evidente que eu sabia perfeitamente de onde tinha vindo aquilo tudo, houve um roubo nos Armazéns António de Paula ali no Bairro do Café, mas não o comentei com a Pacavira.
Aqui está uma prova mais que evidente de que o camarada Rosa Coutinho permitiu o saque dos armazéns, a tropa portuguesa nada fazia porque parte dela queria vir embora e parte dela estava já a abandonar Luanda. No dia 21 de Junho de manhã chegou o avião e embarquei rumo a Lisboa. Quando o avião levantou voo olhei para trás para ficar para sempre na minha memória aquela terra a quem tanto dei e nada recebi !
1975
Sem comentários:
Enviar um comentário