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20/06/2012

I.A.R.N.

Retornados...

O termo foi "arranjado" pelo próprio governo, com a criação do IARN. Mas se é verdade que muitos desses portugueses retornaram a Portugal, muitos outros não retornaram! Retornar é voltar a..., regressar a ... e esses portugueses que tinham nascido e crescido nas colónias, acabaram por vir parar a Portugal e não retornar !

Quase todos os Angolanos que desembarcam no aeroporto da Portela se sentem infelizes e assustados. Pior do que a angústia de não saber até ao minuto final se havia ou não lugar no avião; pior do que o desconforto de viajar tantas horas em condições deploráveis, é a dúvida que muitos têm sobre o que irá acontecer daí em diante. As pessoas sentem-se infelizes porque tiveram de partir à pressa, abandonar a casa e os bens adquiridos ao longo de anos de trabalho; sentem-se assustadas porque voltam a interrogar-se sobre o que irão fazer nos dias seguintes. Nas filas de acesso às portas de saída, junto das mulheres e dos filhos, carregando a bagagem reduzida ao mínimo, os homens continuam obsessivamente a perguntar-se: Com quem poderão contar agora? Quem lhes estenderá a mão? Quem lhes dará emprego.

Criado já pelo III Governo Provisório para responder a tais inquietações, o IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais) promove um serviço assistencial aos que chegam a Portugal em condições precárias de sobrevivência. Consta cada vez mais que muita gente se governa à custa do IARN. Do Norte ao Sul do país, hotéis esgotam as lotações, recebem do Estado milhares de contos, mas não alimentam nem acomodam devidamente os seus hóspedes. Diz-se que partes substanciais das quantias recebidas vão directamente para as contas bancárias dos hospedeiros proprietários. Comenta-se que o facto é um abuso, um desaforo, um escândalo, não falando dos que com a matreirice forjavam documentos, e apresentavam-se com eles como se de África tivessem vindo e com uma chuva de filhos, lá conseguiam os termos para a alimentação, que eram muitos salários, e assim iam vivendo nas filas da Rua da Junqueira.
Em comparação com aqueles que beneficiam da ajuda concedida, os que ficam de lado são bem mais numerosos. Eles andam humildemente de repartição em repartição, preenchem formulários em série, esperam um ror de tempo nas filas dos guichets para entregar os documentos em falta, ficam depois a aguardar um deferimento que não chega.

Na praça do Rossio, em frente do «Pic-Nic», reúnem-se todos os dias aqueles que querem desabafar as suas frustrações e dificuldades. Para rever caras conhecidas, e ainda saber noticias das Áfricas, de Angola, o mesmo se passava no outro lado do Largo na Pastelaria Suissa, ai eram os Moçambicanos, os que vão até aí não se cansam de falar mal dos políticos e dos militares, que consideram responsáveis pela descolonização dita «exemplar», mas que é afinal «vergonhosa». Rosa Coutinho, Otelo Saraiva de Carvalho, Costa Gomes, Melo Antunes, mas também Álvaro Cunhal, Mário Soares e Almeida Santos são acusados de «traidores» e «vendilhões da Pátria»; ninguém põe sequer a hipótese de que os acontecimentos de hoje são a consequência da teimosia de ontem, ou seja, de Salazar e Caetano, que não admitiram nunca sair de África nem negociar com os líderes nacionalistas.

A manhã vai ainda no início e a praça do Rossio enche-se dos que repetem continuamente a mesma versão dos factos. Querem poder aquilo que não podem, impotentes, vociferam, praguejam, reclamam. Enganados e desprevenidos, eles foram apanhados pelos acontecimentos não calculados do tempo e da História, não conseguindo escapar às suas circunstâncias…..
Rebelo Carvalheira

 1975

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