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21/06/2012

HISTÓRIAS DA BATALHA DE LUANDA

Em Fevereiro de 1975 nem um mês após a tomada de posse do Governo de Transição, tornou-se óbvio que o que parecia desconfiança entre os movimentos estava longe de diminuir. O poder residia, de facto, nos exércitos que cada movimento não cessava de armar. Na cimeira de Nakuru, em Junho desse ano, os três reconhecem culpas, e prometem pôr fim à violência. Era mentira.






As forças armadas conjuntas acordadas um mês antes no Alvor não passaram de uma miragem, e os confrontos esporádicos iniciados em Fevereiro rapidamente se transformam em renhidos combates, com milhares de mortos, ao fim dos quais, em princípios de Julho, o MPLA já estava sozinho em Luanda. Pelo meio, a 21 de Julho, ficou a cimeira de Nakuru, no Quénia, promovida pelo presidente Kenyatta, na qual os três movimentos juraram a pés juntos que pretendiam pôr fim à violência, é com a memória da adolescência que recordo os combates de Luanda. Uma das casas onde estive era na Praia do Bispo, casa do Sr. Piteira na  estrada marginal com vivendas. Numa dessas vivendas, havia uma sede do MPLA. Por trás, havia um monte, e lá em cima havia uma sede da FNLA. De repente, começaram a entrar em "makas". Desataram aos tiros, e tudo o que estava na rua desapareceu",




A BATALHA DA FNLA




Outra casa para onde depois passei ficava na Avenida Brasil, que dá para o musseque do Marçal. "Ali ao pé havia uma sede da FNLA, até era considerada uma das sedes mais importantes. Ali é que houve mesmo grandes porradas". Os pais da São Ribeiro já estavam a morar na Vila Alice e o  Chico punha-se deitado na varanda da casa  para gravar o tiroteio, entre a F.N.L.A. da Avª Brasil, no Marçal e o M.P.L.A. na António José de Ameida na Vila Alice.
Os combates começaram com trocas de tiros de armas ligeiras entre a sede do MPLA e a da FNLA. "Na casa do Quim Belo chegou a ter 46 buracos de bala na parede do quarto. Não percebia como, morava num sexto andar. Até que um dia espreitei, eles nem sequer levantavam a cabeça para ver onde atiravam. Levantavam a arma acima do muro e despejavam o carregador".
Um dia, a FNLA montou antiaéreas no terraço do prédio, e virou-as para baixo, em direcção à sede do MPLA. "Avisaram o pessoal do prédio que era melhor ir embora, não se responsabilizavam pelo que acontecesse. E nós fomos mesmo embora, para casa de famíliares  na baixa. Quando o MPLA descobriu donde estavam a atirar...".





No dia seguinte, quando voltam ao sítio, o apartamento já tinha sido atingido por um roquete. Nos dias seguintes, o prédio iria ficar completamente destruído.
Nessa altura, já os três movimentos de libertação tinham muitas forças em Luanda. A FNLA havia, desde Junho do ano anterior, mesmo antes da assinatura formal do cessar-fogo com o Exército português, metido muita gente na capital, vinda de Kinshasa. Quadros políticos e tropa. Eram conhecidos por não falarem português, apenas francês com sotaque carregado, e pelo comportamento, arrogante, mais próprio de um exército de ocupação.




SABATA E PASSARÃO
Mas quem ganhou a Batalha de Luanda para o MPLA não foi a gente do mato, foi o povo dos musseques, enquadrado por ex-militares negros do Exército colonial. Em Junho de 74, cerca de nove mil militares angolanos do Exército português tinham-se manifestado publicamente, exigindo a desmobilização imediata.
"Uma das figuras paradigmáticas, uma das figuras emblemáticas, era um tipo chamado Sabata, que era um antigo ladrão do tempo colonial, mas que era muito popular nos musseques. Era uma espécie de figura mítica, porque era um indivíduo que fazia raides contra os da FNLA, e depois refugiava-se nos musseques. Dizia-se que andava com duas G3, de canos serrados".
A FNLA também tinha o seu herói, um vadio branco de apelido Passarão. Conta a lenda que Passarão morreu abatido por Sabata em duelo singular.
"Como se tivesse parado a guerra civil, os dois encontram-se no musseque, Sabata saca da arma, o outro estremece...".
Na verdade, não foi isso que aconteceu. De Sabata, mais tarde promovido a comandante, sabe-se que foi morto na  tarde, de 27 de Maio, de 1977, durante o golpe de Nito Alves. Quanto a Passarão, diz-se que terá morrido em combate quando a FNLA foi empurrada até à fronteira.
Na batalha por Luanda o MPLA perde vários heróis populares. "Outra das vítimas da guerra foi um que eu tinha ouvido falar no tempo de estudante o Comandante Valódia. O Valódia morreu durante um assalto à sede da Revolta de Leste, do Chipenda".Na Tourada na Vala entre o Bairro Sarmento Rodrigues e o Bairro Salazar, Chipenda é expulso de Luanda logo em Fevereiro, e alia-se à FNLA. Tem uma Delegação na Defesa Civil do Bairro Popular nº 2.
Morre também Nelito Soares, um dos autores do desvio de um avião que voava de Luanda para o Congo, nos últimos anos da década de 60. É morto durante uma - a única? - operação dos comandos portugueses em Vila Alice, bastião do MPLA. Vários portugueses, vinham no maximbombo 14 e como passou a tornar-se comum, tinham sido raptados e levados para a delegação do M.P.L.A na Vila Alice. O Exército português exigiu a libertação dos reféns e a entrega dos responsáveis pela sequestro. Os responsáveis locais do MPLA fizeram orelhas moucas, e foi ordenada a intervenção dos comandos. Nelito Soares, que nessa altura saía da sede do MPLA para negociar, é abatido, e os comandos fazem uma razia. ( hoje Vila Alice é conhecida pelo Bairro Nelito Soares)

UMA COISA BANAL

Às tantas, começou a faltar comida em Luanda. "No sítio onde eu estava, não houve grandes carências. A gente ainda apanhava pão, mas tínhamos de fazer bichas de madrugada. E depois ao fim de algum tempo, a guerra em Luanda era uma coisa que se tinha tornado normal. "Para nós, que éramos já crescidinhos, aquilo já era banal. Às três, quatro da manhã, íamos para a bicha comprar o pão. Às vezes, rebentava tiroteio, e toda a gente fugia. Mas depois voltava tudo ao seu lugar em que estavam na bicha, e morriam pessoas nesses tiroteios que propriamente nos combates.
A guerra era uma coisa tão banal que a miúdagem  brincava aos beligerantes. Para imitar os Pioneiros. Construíam umas armas, em madeira, e andávamos para ali a disparar".Mais.
"Havia pessoas que até ficavam contentes com a guerra civil, porque depois não havia como ir para o emprego. Uma vez, à frente do cine Tropical, apareceu uma manifestação do pessoal dos musseques...Ficou tudo tão aflito que as aulas do Colégio Académico tiveram de acabar e ai os kandengues, ficáram todos contentes".  as pessoas tinham os seus esquemas, as suas relações... A mim nunca faltou de comer", quem ficou mais tempo teve muitos problemas com a alimentação, recordo o Sr. Ribeiro dizer que andou uma semana a comer bananas. "Por isso, para nós,  a guerra civil não foi aquela coisa hedionda... Só ouvíamos certos relatos, de gente que era morta de maneira bárbara, dizia-se que a FNLA matava com certos requintes, praticava antropofagia". "Na Batalha da FNLA, aquela na sede na Avenida Brasil, contava-se de boca em boca, foi um grande acontecimento. Dizia-se que descobriram lá corações". E sabia-se também da caça ao homem, do racismo. "A FNLA caçava tudo, quimbundos, mas sobretudo mulatos. Lembro-me que houve um mulato, que apareceu numa das casas onde eu estava, que tinha vindo lá de Carmona, do Uíge, e tinha sido apanhado. Levou porrada, e o fnla, o soldado, olhou para ele e disse-lhe: Seu mulato, passarinho sem ninho, seu filho da p.... E havia também aquele ditado: o branco vai embora de barco ou de avião, o mulato vai a nado".
UMA ÚLTIMA MENTIRA
A 11 de Junho, Savimbi, que entrara em Luanda a 25 de Abril de 75, vê o pequeno quartel da UNITA na capital angolana na Avª dos Combatentes a ser  atacado pelas FAPLA. A situação deteriora-se tão seriamente que o presidente do Quénia, Jomo Kenyatta, convoca para Nakuru uma cimeira de emergência. Após quase uma semana de discussões, para as quais Portugal não é convidado, a 21 de Junho,  dia da minha vinda para Portugal, os três os movimentos fazem uma autocrítica, reconhecem ter dificultado a actuação do Governo de Transição, ter apelado ao tribalismo e ao racismo, armado a população civil, e comprometem-se a acabar com a violência e a intimidação, a integrar os seus exércitos numa força armada única e a desarmar os civis.
Poucos dias depois, a 9 de Julho, após três semanas de violentos combates, a FNLA é expulsa de Luanda, e Savimbi pede protecção ao Exército português e ordena aos seus apoiantes que deixem a capital.
Uma última recordação. "Quando estava na casa da avó do Zé-Tó no Bairro do Café, lembro-me que houve uma altura em que só se ouvia martelar: pá, pá, pá". Pregos nas madeiras, e no porto de Luanda , cheio de caixotes.
Adaptada da net  MEMÓRIAS DE ANGOLA
1975

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